sexta-feira, 16 de janeiro de 2009


EM DEFESA DA INTEGRIDADE DO NOME DE DEUS

José Aristides

CRITÉRIOS PARA SE FALAR DE DEUS HOJE

 “A melhor religião é a mais tolerante.” Émile de Girardin.

Chegamos a 2009. As festas de saudações ao ano novo são repletas de votos e promessas de mudanças e prosperidade. Essas ocasiões são favoráveis para uma revisão de atitudes. Propomos uma reflexão sobre o 2º Mandamento: “Não tomarás o nome de YHWH teu Deus em vão”.

 Vivemos numa época em que se desrespeita o nome de Deus. Muitas entidades religiosas usam o nome sagrado para garantir vantagens pessoais e sempre passam uma imagem equivocada de Deus.  Esses erros são das instituições e também das pessoas que conversam no dia-a-dia sobre assuntos religiosos. Qualquer um de nós pode cometer tais erros. Colocamos muitas ideias humanas na conta de Deus.

Levando em conta esses problemas, precisamos refletir sobre alguns critérios para se falar de Deus. Reportamo-nos ao Êxodo. A imagem do divino revelada no episódio da sarça ardente não tem um nome definido (Ex 3, 14). Deus é apresentado simplesmente como aquele que é o que é. E não pode ser representado por nenhuma imagem. O fogo é tomado como símbolo de sua presença justamente por ser um elemento misterioso e indefinido.

 Portanto, tomar o nome de Deus em vão é atribuir símbolos, objetos, ideias e atitudes a Deus. Na verdade, são representações que pretendem tomar posse da identidade de Deus e representar a sua vontade. Quando homens de fé comentem esses erros acabam permitindo excluir e até matar em nome de Deus.

 A recomendação “não farás para ti imagem de escultura” remete-nos à integridade do divino. Em outras palavras, diz-nos “não use seus desejos imperfeitos e humanos para representar Deus. Não tente interpretar sua vontade de modo impensado”.  No AT, há uma advertência de Deus: meus pensamentos e sentimentos não são os mesmos de vocês. O maior pecado das religiões hoje é desrespeitar o nome de Deus.

 CORAÇÃO HUMANO, LUGAR DE INTIMIDADE COM DEUS

 “A religião está no coração, não nos joelhos”. Jerold Douglas William.

 O livro do Êxodo relata que Deus pune o culpado até a 3ª geração, mas quando se fala de misericórdia, o mesmo diz que ele perdoa até a mil. As diversas tradições textuais apresentam essas faces de Deus. Porém, toda leitura sensata só pode optar por um Deus misericordioso. Se toda a história de comunicação entre Deus e o homem é para o benefício do homem, ou seja, é uma história de amor: no fim, só a misericórdia pode prevalecer.

 Uma relação espiritual sadia deve tender para sentimentos positivos e enobrecedores. A diminuição da pessoa humana é uma agressão à pessoa divina. As pessoas não podem jamais projetar suas limitações em Deus. Muitos lêem a recomendação evangélica “de não julgar”. Mas não conseguem pesar no evangelho o que é maior: a justiça ou o amor. No fim, são tentadas a admitir um Deus vingativo que determina premiações e condenações a seus filhos.

 Se o Evangelho mostra um Jesus compassivo até o ponto de perdoar seus malfeitores, como pode alguém sustentar um Deus que castiga, pune e leva seus fiéis à condenação? A relação inadequada consigo mesmo pode gerar uma imagem negativa de Deus. Portanto, a vigilância e o discernimento devem estar presentes o tempo na vida de fé. Mais uma vez vem a advertência: não confundir Deus com nossos desejos.

 O homem de fé deve separar suas limitações da vontade de Deus. O humano e o divino estão muito próximos, porém não convém que tomemos a liberdade de falar demasiadamente do divino. Nós só entendemos da nossa condição humana. O coração humano na sua mais pura sensibilidade é o lugar de intimidade com Deus. Por isso, o amor é a metáfora da natureza divina. Cabe-nos a tradição dos místicos, não falar tanto de Deus, mas fazer um constante silêncio de contemplação e adoração.

 NO ROSTO DO OUTRO HÁ UM IMPERATIVO “NÃO MATARÁS”

 “Minha religião é o amor a todos os seres vivos”. Leon Tolstoi.

 A invisibilidade de Deus se torna visível para nós na pessoa do outro. A pretensão de se amar a Deus sem passar pelo irmão é o pecado da fé. Crer dissociado de amar conduz o fiel a uma religião de autoenganadores. Outro critério que apontamos para uma justa relação com Deus é o amor ao próximo.

 A pregação de Jesus de Nazaré tem um forte apelo à dimensão do próximo. A fraternidade e a justiça orientam a relação entre as pessoas. O centro da regra de ouro é a pessoa do outro: Tudo que você deseja do outro, faça primeiro a ele. Este princípio resume a Lei e os Profetas (quer dizer toda a Escritura). O verdadeiro rosto de Deus se enxerga estampado no semblante do outro.

 Segundo Emmanuel Lévinas (1906-1995), filósofo lituano, no rosto do outro há um imperativo que nos diz “não matarás”. A fé radicada no mistério de Deus se traduz pela ‘absolutidade’ da presença do outro ser humano. Meu egoísmo se limita quando toca no direito do próximo. Não simplesmente uma lei, é uma exigência natural. O rosto do outro me interpela à reverência. Além disso, o filósofo afirmava que o outro me precede. O egoísmo seria o ideal de uma vida sem sentido.

 Nenhum interesse e nenhuma crença justificam o uso de violência para aparar as diferenças. É dever irrecusável das religiões assegurar o caráter sagrado do ser humano. Não é possível sustentar a fé em um Deus que justifica o mal. Os fundamentalistas fazem Deus tomar partido por eles. Quando enxergaremos todas as pessoas como irmãos de modo incondicional? Quando atingirmos tal estágio, poderemos falar de Deus sem receio.

 TERRA, AGLOMERAÇÃO DE HOMENS OU COMUNIDADE DE IRMÃOS?

 “A verdadeira religião nos prescreve que amemos até nossos inimigos”. Santo Agostinho.

 Os diversos desrespeitos cometidos contra o nome de Deus nos põem em alerta. Neste quarto tema, refletiremos sobre a relação necessária que vem da fé. Um povo religioso não pode constituir meramente uma terra de homens, mas uma comunidade de irmãos. A fome, a pobreza e as guerras são o grande escândalo de um mundo onde a maioria diz crer em Deus. Cada ano 18 milhões de pessoas morrem de problemas relacionados com a pobreza, as guerras agravam a situação: somente o conflito entre israelenses e palestinos matou 15 mil pessoas desde 1964 e 1,1 bilhão de pessoas passam fome no mundo.

 Para o profeta Isaías, justiça e salvação estão unidas (Is 45,8). Não se pode pensar em salvação se o compromisso com a paz e a justiça não estiver garantido. A aplicação da justiça, às vezes, encontra um espaço muito apertado nas comunidades de fé, estamos muito preocupados com ritos e normas. O cotidiano das comunidades se reduz a mera preocupação com aspectos celebrativos e se esquece da dimensão social e humanista da fé.

 Desde a antiguidade os povos procuraram se organizar em comunidade. Tal tendência reforça os laços naturais de solidariedade que há entre nós. Dentre esses meios a religião aparece como aquele fenômeno que sustenta a união entre os homens. Portanto, não nos esqueçamos de refletir a cada dia sobre a responsabilidade de se ter fé.

 Encerramos esta discussão em favor da integridade do nome de Deus. Mas o compromisso de zelar pelo nome dele não cessa. Rezemos para que não caiamos no erro de tomar o nome de divino em vão e de tomá-lo como justificativa de nossas convicções egoístas e intolerantes.

Cf. Roteiro Palavras Que Ficam, nº 22, janeiro de 2009, Conceição de Ipanema, MG.