quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Opinião XI

ENTÃO É NATAL E O QUE VOCÊ FEZ?

José Aristides da Silva Gamito

             “Então é Natal e o que você fez?” Esses versos da canção nos fazem pensar sobre o sentido das festividades de fim de ano. A cada Natal esta antiga festa cristã se torna mais capitalista.  No sistema capitalista, tudo se torna produto comercializável, inclusive a solidariedade do Natal. Nessa ocasião, as pessoas se sentem obrigadas a gastar, a dar presentes. Porém, o ato de presentear não se harmoniza com o genuíno espírito da ocasião. A gratuidade se perde em meio a tantas trocas, compensações.
            Ao chegar o fim do ano, nós nos perguntamos se temos motivos para celebrar um Natal de comidas, bebidas e guloseimas. Nesses dias, tudo se torna muito poético. As músicas inspiram ternura e aconchego. Mas precisamos nos lembrar de que a fome, a miséria e o desrespeito aos direitos humanos continuam acontecendo em muitas partes do mundo. E muitos atentados contra a vida acontecem na nossa vizinhança. Mas conciliar o direito de celebrar estas festividades com nosso compromisso com a solidariedade é um grande desafio. Muitas associações e empresas passam o ano todo sem realizar uma ação solidária e somente nessas ocasiões são impelidas pelo hábito a fazer alguma ação social. E a consciência dessas pessoas fica confortada, com a sensação de dever cumprido.
            No mundo contemporâneo, anda esquecida uma qualidade humana muito importante que é a gratuidade. O capitalismo se apossou do desejo de retribuição, da mercantilidade do espírito humano para sustentar seu mecanismo de sobrevivência. O voluntariado é tão pregado hoje, justamente pelo fato de a sociedade pender para o lado da necessidade de recompensa em tudo. Cotidianamente, nós ouvimos alguém dizendo “eu não vou me envolver nisso, eu não vou ganhar nada com isso”.
            A existência humana parece estar marcada por essas duas dimensões: A gratuidade e a mercantilidade. As pessoas que se deixam guiar pela gratuidade são mais generosas, abertas às novidades, às surpresas da vida. Elas não buscam uma recompensa absoluta e necessária para as suas ações. Sobressaem-se bem até diante das tragédias. E nem adiam tal premiação para a vida pós-morte. Ao contrário, quem se guia pela mercantilidade age somente estimulado pela recompensa, seu processo de humanização ainda está muito dependente de instintos naturais de sobrevivência.
 A religiosidade presente nessas pessoas busca uma recompensa na vida futura. Elas fazem o bem para merecerem o céu e não porque se sentem sensibilizadas pela condição de vida de seu semelhante. Essa idéia é bastante presente no cristianismo. As pessoas de fé transferem todo significado da vida para a eternidade e vivem uma forte dicotomia entre o bem e o mal, o céu e o inferno, a graça e a recompensa. Na Idade Média, isso foi forte na religiosidade popular.
O capitalismo adorou essa tendência de premiação. Mas como bons cidadãos, pessoas críticas, precisamos saber dosar as coisas. Salvo o direito se confraternizar com os familiares e os amigos, que não nos esqueçamos do espírito de solidariedade que o Natal promete. Mas que essas ações não sejam de um dia só. Desejo a todos os leitores do “Diário de Manhuaçu” um Feliz Natal!

*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e Superior.

Opinião X

MANIFESTO PELA REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO POLÍTICO

José Aristides da Silva Gamito

            Desta vez vamos conversar um pouco sobre a urgente reforma política do Brasil. O tema específico é a regulamentação da profissão político. Segunda a atual constituição (artigo 37), de 1988, os cargos públicos devem ser conquistados mediante concursos. A exceção são os cargos legislativos e executivos que são obtidos através de votos merecidos ou comprados. Isto quer dizer que para ser vereador, prefeito, deputado, governador, senador e presidente não é necessário mostrar competência, mas apenas atrair a simpatia do povo. Na verdade estes cargos deveriam passar por um processo seletivo, antes de serem levados à votação popular.
            Muitas pessoas habituadas a velhos hábitos políticos acham que a exigência de um concurso público para os cargos políticos seria prejudicial à democracia. Se todos os demais cargos públicos exigem a demonstração do domínio de conhecimentos gerais e específicos para merecê-los, a atividade política exigiria isso e muito mais por se tratar de uma função de grande poder de decisão dentro de um país.
            Os candidatos a cargos políticos deveriam passar por um concurso que medisse a competência técnica deles através de provas de conhecimentos gerais e específicos, depois seguida da análise de antecedentes criminais e da apresentação de um currículo que demonstrasse previamente o interesse deles por questões sociais e políticas. Principalmente, o envolvimento em trabalhos voluntários. Sem medir o perfil ético do candidato o concurso não seria também muito útil! E claro, durante o mandato o máximo de transparência por parte do político e a vigilância dos cidadãos. Isso não seria a fórmula para o fim da corrupção, mas seria um grande passo para uma democracia de verdade!
Os cargos municipais deveriam exigir o Ensino Médio concluído, acrescido de um curso técnico profissionalizante em Administração Pública, Ciências Políticas ou outra área afim. Já para os cargos estaduais e federais deveriam ser exigido Curso Superior nas áreas do conhecimento referentes à administração, leis e política. Como pode uma função legislativa ser desempenhada por alguém que não entende de leis? O gasto com assessoria diminuiria bastante. Seria o fim de privilégios como direitos a assessores, cargos de confiança, nepotismo, imunidade parlamentar, salários colossais e tantos outros abusos.
Mas essa medida não elitizaria a entrada do cidadão para a vida política? Não. Estamos numa época em que o acesso à educação gratuita tem melhorado muito e todo cidadão de bom senso, ao se interessar pela vida pública, espontaneamente procuraria se especializar para servir melhor seu país. O problema cultural que impede a aceitação do fim deste privilégio é a tentação de se chegar ao poder pela simpatia, pelo poder aquisitivo ou pela influência social. Tudo isso é resquício do coronelismo, saudosismo dos hábitos monárquicos, apego ao domínio de uma aristocracia. E tais leis não mudam porque quem as faz são políticos eleitos dentro do sistema atual e eles não querem perder privilégios. Por meio de concursos, muitos deles nunca mais voltariam à vida pública.
E quando aparece um caso como o do Tiririca, percebe-se que o interesse é meramente ridicularizar a figura do “popular”, não há interesse sincero em regulamentar a entrada do cidadão para a carreira política. É uma hipocrisia total! Muitos vereadores votam em projetos que eles não sabem explicar o seu teor e aplicabilidade, votam apenas por interesses alertados pelo partido. Há deputados que não dão conta sequer do jargão empregado nas discussões rotineiras da câmara. E tentam de modo desajeitado casar “Vossa excelência” com “canalha”, em seus debates dizem, despudoradamente: “Vossa excelência é um canalha!”.
Esta questão precisaria ganhar o gosto popular para que um dia venha a ser realidade. Nós não ignoramos aqui os casos de políticos, com pouca formação, que foram ótimos administradores. Mas se a pessoa tem carisma, tem aptidão e competência, ao procurar a carreira política, deveria usar o bom senso e procurar uma formação técnica para que suas aptidões estejam ainda mais bem preparadas para fazer da ação política um serviço em favor do bem comum. Técnica e ética, carisma e competência têm de andar juntos em todo tipo de profissão! Parece ousado esta reivindicação, mas a profissão político precisa ser urgentemente regulamentada dentro dos moldes democráticos assim como todas as demais profissões no nosso país!

*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e Superior.

Opinião IX

O PODER LOCAL E A FRAGILIDADE DA DEMOCRACIA BRASILEIRA

José Aristides da Silva Gamito
             O Brasil, em termos legais, é uma democracia desde 1988. Porém, ao compararmos os ideais vislumbrados na nossa constituição com os crimes de abuso de poder acontecidos nos últimos anos, ficamos em dúvida quanto à efetivação desses princípios. Assim como ficamos estarrecidos, este ano, com a ausência do Estado no Complexo do Alemão, podemos também descobrir a fragilidade do Estado em tantas outras regiões do país.
            O assassinato do prefeito de Jandira (SP), Walderi Braz Paschoalin (PSDB), nos faz retomar a discussão sobre se no Brasil a democracia se consolidou de forma real em todo território nacional, ou se é apenas um documento respeitado em algumas instituições ou grandes centros. Temos outros exemplos de violência pública que desafiam os direitos civis e humanos.  Em 2005, Doroty Stang foi assassinada em Anapu (PA) por defender o meio ambiente e as pessoas dependentes da terra. Em 2007, em Pingo D’Água (MG), foi assassinado o sindicalista João Alves Calazans por causa de irregularidades na aquisição de lotes. Uma demonstração de que a segurança e os ideais democráticos não conseguem conter totalmente o poder autoritário local.
            A grande mídia exerce um poder de vigilância nos grandes centros, apesar dos escândalos políticos e administrativos, a democracia parece ser respeitada nessas áreas. Porém, quando nos detemos em regiões menos vigiadas pela mídia, os crimes de abusos da democracia passam despercebidos.
            Em nossa região, ouvimos inúmeros casos de desmando dentro das prefeituras. Quando alguém que detém o poder principal é denunciado, sempre há um deputado ou outra autoridade que acaba silenciando o caso. Há muitos reclames, mas pouco poder para a população reagir e denunciar essas irregularidades. Em se tratando da aplicação dos ideais democráticos, o poder local é mais fraco. Os concursos públicos municipais, aberturas de editais, são feitos de modo meio velado, meio controlado, e muitas prefeituras manipulam o resultado desses processos seletivos. A intenção é fazer valer todos os interesses do partido dominante.
            Em muitos municípios, em época de eleições, a gente ouve a expressão “a política vai virar!”. A política é confundida com interesses partidários. Todos os funcionários ficam inseguros. Quem tem competência técnica para exercer determinado serviço é trocado por alguém sem o mínimo conhecimento. Isso simplesmente porque há um interesse em conseguir votos na próxima eleição. De um modo exagerado, poderíamos dizer que o prefeito é, de certa forma, a continuidade do “coronel”.
Há muitas denúncias que são caladas por ameaças de destituição de cargos, ou de obstrução da possibilidade de alguém realizar seus projetos, de desempenhar legalmente sua função. Essas situações nos levam a pensar que os ideais democráticos são mais frágeis, e menos respeitados no poder local, faltam mais vigilância do Estado e mais esclarecimento e autonomia do cidadão.


*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e Superior.

Opinião VIII

A ORIGEM E AS FACES DO MAL: O DILEMA DE EPICURO PERMANECE ABERTO

José Aristides da Silva Gamito
            Diante de tanta violência e sofrimento, que acompanhamos pelos noticiários nos últimos dias, retornamos a uma antiga questão do ser humano: Qual a origem do mal? Por que há o sofrimento? Muitas respostas já foram dadas a este problema quase insolúvel. Há muitas teorias sensatas, mas todas incompletas. O primeiro a se deparar formalmente com este questionamento foi Epicuro (341-270 a. C.). O filósofo se perguntava se era compatível a existência de um deus bom com a presença do mal no mundo. Então, ele lança o famoso dilema: “Deus quer impedir o mal e não consegue? Então, ele é impotente. Ele é capaz, mas não quer? Então, ele é malévolo. Ele é capaz e quer? Donde, então, o mal?”
            A partir de então, vários pensadores tentaram resolver este beco sem saída. Agostinho (354-430 d. C.) defendeu que o mal é resultado da liberdade humana e não da vontade de Deus. A primeira fase de preocupação com o problema foi religiosa. Séculos mais tarde, os marxistas descobriram os aspectos sócio-econômicos como fatores decisivos nas escolhas morais. Freud trouxe consigo a ideia de que muitas de nossas ações são inconscientes. Com a descoberta da genética, muitas tendências tidas como más são atribuídas a genes.
            O dilema de Epicuro, apesar de ter atualmente um foco mais humano e histórico, continua sem solução. Seriam forças inconscientes, seriam os genes ou seriam o ambiente e o tipo de educação que nos fazem agir de uma forma ou de outra? A única afirmação que podemos fazer é que o mal é multifacetário e não tem raízes no Além, está aí dentro e entre nós. O que nos parece mais sensato é partir do pressuposto de que não devemos buscar teorias mirabolantes sobre o mal, antes devemos é ganhar tempo combatendo-o e amenizando o sofrimento das pessoas.
            O filme Tropa de Elite 2 nos sugere uma presença bilateral do mal em nosso país. A corrupção está dentro da sociedade, tanto no meio dos traficantes, quanto no meio dos representantes do Estado: A polícia e os políticos. Uma primeira habilidade exigida é separar o “joio” do “trigo”. Uma tarefa nada fácil. Alguns dizem que as pessoas se corrompem porque são pobres; mas e aqueles que se corrompem por que são ricos? No meio de tanta incerteza, a educação e a atuação eficiente e responsável do Estado, sem dúvida, são elementos indispensáveis.
            O que nos preocupa tanto é o Brasil sendo um país de maioria cristã, possui tantos problemas sociais, visto que o discurso cristão comporta valores de uma sociedade ideal. Mas, a conivência com o mal e a corrupção estão presentes desde as prefeituras até o alto escalão do governo federal. A fórmula parece ser esta: Onde há poder, há possibilidade de corrupção. Nem mesmo as instituições religiosas com seus discursos moralizantes arrojados não escapam à corrupção. Existe uma conivência com o mal muito forte, o discurso não corresponde à prática.
            Ao problema do mal temos poucas respostas convincentes, mas nos resta a esperança de apostar numa educação para a liberdade e a responsabilidade, que seja bem regada de amor e bens necessários à vida digna, dentro das famílias e das escolas. Para que assim, a pessoas sejam menos seduzidas pelo mal e estejam mais comprometidas com a vida de modo integral.
*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e Superior.

Opinião VII

A FORÇA DO ESTADO PARALELO E O DESAFIO À SEGURANÇA PÚBLICA

José Aristides da Silva Gamito

            As ondas de ataques acontecidos durante esta semana no Rio de Janeiro reforçam a ideia de que o Estado Paralelo tem muita força. Quando um poder clandestino começa a competir com o poder oficial, as vias de solução e de combate são bastante drásticas. Porque estão em conflito dentro de um mesmo território um regime democrático e um regime anárquico. A população inocente acaba sendo vítima das investidas contra o Estado. E nem o Estado pode responder sem antes separar inocentes e culpados. Os bandidos mascaram e infiltram no meio de pessoas que não devem nada à justiça.
            A violência que muitas capitais brasileiras sofrem é resultado de décadas de descuidos no planejamento urbano, no investimento em políticas sociais e da ausência do Estado. A força de controle ideológico e financeiro de traficantes substituiu essa falta do Estado. Por isso, muitas vezes a população acaba sendo conivente com os bandidos. Isso agrava mais ainda quando a polícia tem de tomar medidas drásticas e acaba matando inocentes. As “balas perdidas” são um ponto negativo nesta luta. A polícia perde parte do apoio dos civis inocentes. Além disso, há abordagens inadequadas e efetuadas por policiais despreparados que acabam por ceifar vidas inocentes.
            As capitais durante muito tempo não souberam acomodar a população que já tinham e aquela que receberam através do êxodo rural. Os grandes centros cresceram e empurraram as pessoas para as periferias. O Estado era apenas visível nesse centro. Atualmente, os bandidos que surgiram nas periferias fazem o movimento contrário. Eles comprimem os grandes centros através de arrastões, incêndios de ônibus e perturbação da ordem pública. Além de dominarem as favelas, estendem seus tentáculos até as áreas elitizadas. Se o Estado não reagir vai se tornar refém do medo e do caos gerados por quem quer ordem em seu território e anarquia no território alheio.
            Em parte, o investimento lento e estratégico que deveria manter a população em segurança foi parar nos bolsos de muitos políticos bandidos. Temos de ter cuidado para não estigmatizar a população das favelas. Pois se alguém lá tem culpa pelo terror, os outros lá da política têm também a culpa pelo descaso e pela corrupção. Sempre existiram “bandidos de centros” e “bandidos de periferias”. Não podemos deixar a culpa só para um lado.
            A gente sempre torce para ser verdade a expressão “O Rio de Janeiro continua lindo”. Um país que pretende sediar as Olimpíadas e a Copa do Mundo teve a sua imagem bastante prejudicada esta semana. E muito mais grave, a paz e muitas vidas inocentes foram retiradas. Na internet, um usuário chegou a se perguntar qual situação seria mais complexa a do Rio ou da Faixa de Gaza.
*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e Superior.