segunda-feira, 15 de outubro de 2018

A espada ou o amor: Jesus, um armamentista?


 
Há atualmente uma discussão que pretende utilizar as palavras de Jesus para justificar o armamento da população. A arma de uso pessoal comum no mundo do Novo Testamento é a espada. O termo grego μάχαιρα designa uma “pequena espada” (Mt 10, 34; Mt 26, 51; Mt 26, 52;  Mc 14, 47; Lc 2, 35; Lc 21, 24; Lc 22, 36; Lc 22, 49;Jo 18, 10; Jo18, 11). Ele ocorre 17 vezes nos evangelhos. Outro termo é ῤομφαία que significa “espada longa”. Este ocorre uma vez nos evangelhos em Lc 2, 35.

A – Jesus manda armar-se:

Em duas situações, Jesus tem posturas diferentes sobre a espada:
Lc 22, 26 - Ele lhes disse: “Mas agora, se vocês têm bolsa, levem-na, e também o saco de viagem; e, se não têm espada, vendam a sua capa e comprem uma.”
Mt 26, 52 - Então Jesus disse-lhe: “Embainha a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão.”

Por outro lado, o verbo amar (ἀγαπάω/φιλέω) aparece 45 vezes nos quatro evangelhos (Mt 5, 43; Mt 5, 44; Mt 5, 46; Mt 6, 5;  Mt 6, 24; Mt 19, 19; Mt 22, 37; Mt 22, 39; Mt 23, 6;  Mt 22, 37; Mt 22, 39; Mt 23, 6; Mt 24, 12; Mt 12, 30; Mc 12, 31; Mc 12, 33; Mc 12, 38; Lc 6, 27; Lc 6, 32; Lc 6, 35; Lc 7, 42; Lc 10, 27; Lc 11, 42; Lc 11, 43; Lc 16, 13; Lc 20, 46; Jo 5, 42; Jo 8, 42; Jo 10, 17; Jo 13, 34; Jo 13, 35; Jo 14, 15; Jo 14, 21; Jo 14, 23; Jo 14, 31; Jo 15, 9; Jo 15, 10; Jo 15, 12; Jo 15, 13; Jo 15, 17; Jo 15, 19; Jo 17, 26; Jo 21, 15; Jo 21, 16; Jo 21, 17).

B – Jesus manda amar os inimigos:

Mt 5, 44 - Eu, porém, vos digo: “Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem.”
Jo 13, 34 – “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei; que dessa mesma maneira tenhais amor uns para com os outros.”

Portanto, colocar Jesus a favor ou contra o armamento é uma escolha que cabe à intenção do leitor. As ocorrências sobre armas nos quatro evangelhos são poucas e circunstanciais. Não servem para normatizar, mas o contrário, o amor é um preceito predominante.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Ética cristã x Política Partidária


A BÍBLIA E A BALA PODEM ANDAR JUNTAS?
Análise de uma candidatura à luz da moral cristã

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Sabemos que o Brasil é um país laico, mas que a maior parte da população ainda resolve os critérios do voto dentro de uma orientação cristã. Falaremos justamente sobre esta relação entre cristianismo e a defesa de candidaturas. O candidato perfeito não existe, evidentemente, mas muita gente mesmo assim defende candidatos úteis para reverter um projeto político em curso ou defender uma bandeira ideológica de interesse de seu grupo como se fosse a única solução: o “salvador da pátria”. As bandeiras parciais são tomadas como bandeiras do país.
Vamos nos concentrar nas contradições das candidaturas. Há cristãos que defendem candidaturas que unem a agenda da Bíblia com a agenda da Bala. Elas representam uma tendência atual em aliar a pauta religiosa com a pauta política. O candidato Bolsonaro e muitos candidatos a deputados se encaixam neste perfil. Temos muitos temas que poderiam ser explorados sobre estas candidaturas, mas vamos nos deter no problema da defesa da moral cristã. Milhares de pessoa evocam esta moral para defenderem que a candidatura de Bolsonaro é a única solução para o Brasil!
Assumir este modelo de candidatura como cristã implica necessariamente admitir uma contradição. A moral cristã tem no mínimo duas dimensões: A moral sexual e a moral social. A moral sexual envolve os valores dos relacionamentos e da família. Dentre esses temas estão o casamento heteronormativo (homem e mulher), a proibição do aborto e da “ideologia de gênero”. Já a moral social diz respeito à igualdade de direitos, incluindo direitos do trabalhador, a inclusão dos pobres e dos excluídos. Neste âmbito, a justiça que combate a corrupção e que pune os bandidos, inclui também a justiça social: a defesa de quem tem menos visibilidade social.
A moral cristã não equivale literalmente à moral de Cristo. Ao longo do tempo, muitas adaptações foram realizadas. Se formos àquela moral dos evangelhos veremos que Jesus condena o adultério (Mt 5, 27-32), valoriza o casamento do homem com a mulher (Mt 19, 4-6), mas conclama também para amar os inimigos, perdoar, praticar a justiça (Mt 5, 21-48) e acolher e incluir o estrangeiro, pobre (o faminto e o sedento), doente e o preso (Mt 25, 31-46). Os valores constituem um sistema harmonizado. Há necessidade de um equilíbrio entre esses dois tipos de moral.
Portanto, assumir que tal candidatura é cristã torna-se falacioso. No mínimo alguém poderá afirmar que ela é parcialmente cristã. Tomar uma parte em detrimento da outra pode ser tendencioso. A defesa de uma dimensão da moral cristã sem a outra soa no mínimo como uma postura seletiva e interesseira. O princípio “Os fins justificam os meios” é incompatível com a moral cristã, isto é, torna-se contraditório utilizar um candidato que despreza a moral social cristã (“meio”) para defender a moral sexual cristã (“fim”). Além disso, os evangelhos enfatizam muito mais a moral social do que a sexual. Mas se considerarmos que Jesus pede para que amemos uns aos outros (Jo 15, 12-17) e que isso inclui até mesmo os inimigos (Mt 5, 44), a contradição de colocar em segundo plano a moral social torna-se mais grave.
 O conceito de “próximo” para Jesus não tem condicionamentos sexuais ou étnicos. A moral cristã envolve necessariamente a defesa dos direitos de homens, de mulheres, de GLBTs, de negros e de índios. A defesa da moral sexual em detrimento da moral social é um posicionamento contraditório. Ignorar os direitos do pobre e do trabalhador para defender unicamente a moral sexual é um pecado grave, falando em terminologia cristã. Enfim, votar na agenda do Bolsonaro é um direito garantido pela democracia. Isso é inegável! Mas justificar este voto através da moral cristã é uma atitude contraditória e muitos cristãos estão ignorando ou subestimando este problema.

quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Quando Deus se torna cabo eleitoral


QUANDO DEUS SE TORNA CABO ELEITORAL

José Aristides da Silva Gamito


Há um ditado popular que diz que “futebol, política e religião não se discutem”. Mas o debate é inevitável, principalmente, quando se trata da relação entre política e religião. Não tem como separar o crente do político. O que é necessário é estabelecer o limite, o espaço e os parâmetros desta relação. Além de assumir o compromisso de um debate respeitoso, é claro!
Se há um problema grave atualmente provocado pelos setores conservadores católicos e evangélicos neopentecostais é levar Deus para o centro do debate político como se fosse um cabo eleitoral. Ignorando o Estado laico e a pluralidade no espaço democrático, esses cristãos tornam a religião uma condição indispensável para ser candidato. A competência técnica e a ética exigidas para desempenhar um cargo eletivo não passa necessariamente pela confissão de alguma fé. Há uma mistura entre o homem público e o homem cristão.
O mais grave é quando o fundamentalismo religioso, o moralismo conservador, tudo passa a se impor e a ameaçar a democracia. Além das falsas notícias, interpretações fundamentalistas e fantasmas ideológicos são apresentados como justificativa para se votar em algum candidato. O texto bíblico sofre violências interpretativas para fundamentar posturas violentas e discriminatórias.
Na impossibilidade de diálogo entre projetos políticos de direita e de esquerda, corremos o risco de perder agendas políticas importantes para assegurar a dignidade e os direitos dos cidadãos. Há valores fundamentais que não são propriedades do liberalismo ou do socialismo. Mas que alguns setores ignoram porque são “bandeiras” do adversário. Quando algum grupo divide a sociedade entre aqueles que votam no “projeto de Deus” e aqueles que não votam, corre o risco de menosprezar as reivindicações dos outros por rotulá-los de “inimigos de Deus”. A imposição de ideologias como se fossem a genuína Palavra de Deus gera, na verdade, uma violência contra o direito de muitos concidadãos.
A utilização do fundamentalismo religioso como força motriz para a eleição de um candidato além de ser prejudicial para a democracia, é também para as comunidades religiosas. Quando cristãos reduzem ou identificam a vontade de Deus com um candidato e este acaba por cometer uma falha grave, a credibilidade da religião é afetada juntamente.  O discurso religioso é um horizonte ideal, imaculado, mas quando se torna prática encarnada no partido ou no candidato quebra o encanto e pode causar muitos malefícios. Afinal, o que precisa ficar claro é que, na democracia, o crente pode ser político, mas o político não tem de ser necessariamente crente.
Com moderação e diálogo a gente avança, mas se abandonarmos a racionalidade em benefício do sectarismo e do fundamentalismo só iremos aprofundar mais as crises deste país.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

A Ética da Compaixão


ENTRE A FORÇA E A COMPAIXÃO

José Aristides da Silva Gamito


A história moral do Ocidente nos mostra dois ideais de vida que são marcados, consequentemente, por dois princípios básicos: A força e a compaixão. A força é a virtude que se encarnou na sociedade grega, principalmente, aquela do período homérico. Ela está encarnada também nos grandes impérios. Trata-se de um modo de viver impulsionado pelos instintos da raiva, da busca pela derrota do destino, da entrega às lutas sangrentas, à procura pela honra (timé) e pela glória (kléos). As virtudes dos heróis homéricos da Ilíada e da Odisseia são exemplos deste modo de viver. O herói grego e romano que é celebrado pelos seus feitos na guerra e recordado com ereção de estátuas.
O homem belicoso que aposta sua ação na força predominou nessas sociedades marcadas pelo ideal da guerra e do destino traçado. É um modelo que se contrasta com a compaixão que vem das tradições cristã e budista. A negação da honra, da glória e da violência está implícita nesses sistemas morais. Apesar de cristãos e budistas terem compreensões distintas da virtude da compaixão, eles representam juntos o antagonismo da moral da força. A moral da compaixão considera a sensibilidade do outro na ação. É uma virtude que exige a razão, mas não se sustenta nela. O sentir do próximo é a referência para avaliarmos o que é moral ou não. Antes de agir, o homem compassivo avalia as consequências da sua ação sobre a sensibilidade do outro. A moral da força considera, por outro lado, somente o bem-estar do “eu”.
Estamos falando disso não porque se trata de uma história das ideias, esses ideiais estão imbricados no nosso cotidiano. É presente! Se considerarmos o Brasil como um país majoritariamente cristão, impacta-nos a defesa constante nas redes sociais e em posições partidárias de um cristianismo baseado na força. A força é um corpo estranho à moral cristã. Os apelos partidários à execução sumária de bandidos, o discurso impiedoso pró-aborto, o menosprezo das minorias como indígenas e quilombolas, mostram um recurso à moral da força. Além disso, uma parcela da sociedade que se afirma como indignada com a situação do país, apresenta-se como guardiã da moral cristã, mas uma moral carente de fraternidade e de compaixão.
A entrega ao discurso de ódio e de violência não resolve o problema de uma sociedade. Quando se dá a violência como resposta à violência automaticamente o mal aumenta e o bem diminui. Esta parece ser uma lógica difícil de ser compreendida por aqueles que cultuam a violência no seu interior! O mandamento do amor soa pesado para muita gente. Os defensores da replicação do ódio pensam que a compaixão incute politicamente a impunidade do culpado, do criminoso. A reeducação para a compaixão é a necessidade urgente dos cristãos da nossa sociedade. Está em vias de institucionalização um cristianismo apesar de Cristo ou mesmo contra Cristo! Parafraseando Deuteronômio 19, 30, entre “a força e a compaixão; escolhe, pois, a compaixão”.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Polêmica: Cristianismo e comunismo


SE SOUBESSE A DISTÂNCIA QUE HÁ ENTRE CRISTIANISMO E COMUNISMO, VOCÊ CRUCIFICARIA JESUS UMA SEGUNDA VEZ

Por que alguns cristãos defenderam o comunismo na América Latina?


            Quando Jesus viveu não existia nem o cristianismo e muito menos o comunismo. Mas o que sustentou durante muito tempo a opção de alguns cristãos (leigos, clérigos e teólogos) pelo sistema comunista é a semelhança entre os ideais sociais, políticos e econômicos dos dois. Que o leitor esteja atento que estamos falando teoricamente do comunismo, não estamos tratando de Estados Totalitários!
            A relação entre cristianismo e comunismo parecerá estarrecedora para alguns cristãos porque conhecem apenas os significativos negativos que foram dados para o termo “comunismo”. Este termo é polissêmico assim como o termo cristianismo. Há ações positivas e negativas historicamente atribuídas aos dois sistemas. A diferença é que o comunismo enquanto sistema político concreto, adotado pelo Estado, teve uma história breve e foi confundido com Estados Totalitários e ditaduras socialistas. Confunde-se, muitas vezes também, comunismo com socialismo. É importante avisar para os radicais que cristianismo, comunismo e capitalismo todos têm defeitos!
            Um terceiro sentido conferido ao termo “comunismo” atualmente no Brasil é um guarda-chuva de política de esquerda sob o qual são postas as reivindicações das mais variadas minorias sociais. Portanto, não estamos falando de comunismo em sentido de “Estado totalitário, ditadura socialista” (1) e nem em sentido de “arcabouço de reivindicação política de minorias sociais”. Como o termo é polissêmico, ele pode ser conduzido para direções indesejadas em tempos de polêmica. Atualmente, comunismo é utilizado em redes sociais como sinônimo de “política de esquerda”. É um equívoco! A seguir, vamos comparar os princípios gerais do comunismo teórico com a moral do Evangelho.
            Teoricamente, o comunismo não interessa a quem está situado confortavelmente na sociedade. A teorização do comunismo surgiu a partir da Revolução Industrial porque a nova formatação capitalista trouxe a exploração do operário e muitas mazelas sociais. A decepção com o progresso tecnológico que não beneficiava a todos fez com que algumas pessoas pensassem numa sociedade igualitária. A teoria do comunismo sofreu muitas adaptações por isso não podemos falar de modo único.
            A nova ordem social teorizada pelo comunismo pretendia: a) Universalizar os meios de produção para toda a sociedade; b) Abolir a propriedade privada; c) Extinguir as desigualdades sociais tornando todos os bens comuns. Esses princípios exigiriam que fossem confiscados os bens particulares, tornando-os propriedade comum sob a tutela do Estado. Essas medidas teriam como consequências a reforma da posse da terra e da moradia, acesso à educação e iguais condições de trabalho para todos. Este é o comunismo enquanto utopia!
            A moral cristã do Evangelho opera em sentido semelhante: a) A distribuição dos bens com os pobres é uma recomendação de Jesus – “Se queres ser perfeito, vai, vende os teus bens, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me” (Mt 19,21); b) A utilização comum dos bens era uma prática cristã: “Todos os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade.” (At 2, 44-45). c) Não há distinção de classe social – “Não há judeu nem grego, escravo ou livre, homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus” (Gl 3,28).
            Portanto, o cristianismo das origens tinha em comum com o comunismo a aspiração por uma comunidade onde os bens e as propriedades fossem para todos. A distinção entre classe seria superada pela igual dignidade de todos. São todos sistemas com princípios básicos comuns, sendo um religioso e outro materialista. Efetivamente, todos os dois são utópicos. Os grandes opositores desses sistemas são, evidentemente, os ricos! Quem tem muitas propriedades, lucros, riquezas, status, não quer se igualar aos outros e nem transferir seus bens e suas oportunidades para os mais pobres. Esses ideais de igualdade serão sempre odiados! E depois das experiências totalitárias do século XX, acrescentaram-se mais motivos para extinguir o comunismo.
            É bom saber que o que se odeia no comunismo não são somente as ideologias morais, a revolução armada, mas também o fim do acúmulo individual de riquezas, dos privilégios. Tanto o defensor quanto o opositor do comunismo o vêem com muita paixão. Os interesses financeiros e vantagens sociais estão acima das ideologias tanto de direita quanto de esquerda. A superação do egoísmo humano não é uma tarefa fácil, qualquer sistema pode falhar. O poder corrompe todo sistema. Todos os sistemas têm acertos e erros. Tanto capitalismo quanto socialismo já massacraram, mataram e cometeram barbaridades. A tomada de posição a favor ou contra qualquer um deles depende do lugar onde você se encontra na história!


segunda-feira, 7 de maio de 2018

Filosofia da Educação


EDUCAÇÃO E IDEOLOGIA: É POSSÍVEL SEPARAR AS DUAS COISAS?


José Aristides da Silva Gamito


            Quando se reivindica uma escola sem partido está se propondo a existência de uma educação sem ideologia. Isso é possível? Todo modelo de educação corresponde a uma visão de sociedade, de política e de valores humanos. Os modelos são históricos. Queremos dizer com isso que não há um modelo de educação desvinculado de um posicionamento ideológico ou cultural.
            O cidadão que se quer educar está inserido num determinado tempo, lugar e circunstância. A educação influencia a sociedade e é ao mesmo tempo influenciada pelos interesses da sociedade. Falar em escola sem ideologia é o mesmo que falar em objetividade científica ou neutralidade profissional. O que se tem de analisar é que quando alguém reivindica uma educação sem ideologia, temos de perguntar: “Sem qual ideologia?”. O mesmo se aplica aos apelos no Brasil por uma escola sem partido: “Sem qual partido?”. Se se tirarem as ideias de esquerda da escola, elas serão substituídas por ideias de direita, e vice-versa.
Muitos mal-entendidos ocorrem quanto a este assunto por uma questão de linguagem, muitos chamam de “ideologia” somente os posicionamentos de esquerda. Como se alguém dissesse suas ideias são “ideologia” e as minhas são “verdade”. Há certa ingenuidade ou má-fé nisso. Pois, tudo é ideologia! Ninguém se posiciona socialmente de modo neutro ou diretamente iluminado pela “sagrada verdade”.
            A única opção que temos é optarmos por uma escola dentro dos moldes da verdadeira democracia. Uma escola que comporte todas as ideologias e todos os partidos. Se a escola é um laboratório de aprendizagem da vida em sociedade, os estudantes precisam aprender a conviver com a diversidade de ideias e a compartilhar espaços com seus opositores. A escola deixa de ser ideal quando há hegemonia de uma ideologia ou partido. Porém, há um limite para ser destacado: Só não podemos tolerar aqueles posicionamentos que são autodestrutivos para a democracia. Porque se esses se instalarem, a escola será hegemonicamente dominada por uma única ideologia. Enquanto, a educação for plural, ela estará sadia.
            Portanto, não há educação sem ideologia. O que não podemos permitir na escola são posturas de uma democracia autofágica. Um problema semelhante acontece com a religião na escola. As pessoas que formam a escola têm religiões diversas, uma ou nenhuma. Não há neutralidade e a religião pode ser tratada e discutida na escola, o que se tem de manter é a postura de tolerância à diversidade. Neutralidade é uma quimera! De modo semelhante, muitos cristãos se posicionam agressivamente quando uma autoridade eclesiástica ou um grupo religioso assume uma postura partidária. Do mesmo modo, não há Igreja neutra ideologicamente ou politicamente. O que se precisa manter é a boa convivência! A respeito das ideologias o que queremos, acima de tudo, pautar é que tudo é ideologia, inclusive, a asserção de que “tudo é ideologia”. Posicionar-se politicamente é ideológico em qualquer sentido, mesmo quando se silencia.

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Botocudos e puris


OS INDÍGENAS DA REGIÃO DO RIO DOCE: IDENTIFIDADE E CULTURA

THE INDIGENOUS PEOPLE OF THE REGION OF RIO DOCE: IDENTITY AND CULTURE

José Aristides da Silva Gamito[1]

Introdução
Puris no Vale de São Manoel em 1911.

Este breve artigo tem como principal referência o texto de Álvaro Silveira “Memórias Chorográphicas” publicada em 1921. O presente artigo surge como uma provocação às escolas de educação básica de Minas Gerais. O Dia do Índio, às vezes, é comemorado com reforço de estereótipos, com superficialidades, como se índios fossem apenas um “bicho exótico”. Ao levantarmos um pouco da identidade e dos costumes de dois povos indígenas da região do rio Doce, estamos abrindo caminhos para que os educadores conheçam mais estes povos e apliquem isso em sua prática pedagógica.
Neste texto, apresentamos algumas informações sobre a identidade e a cultura dos índios botocudos e puris e o buscamos a localização deles. Há que se observar que viviam outros puris em Minas Gerais além da região identificada por Álvaro Silveira.

1.    Os botocudos

Segundo Álvaro Silveira, no início do século XX a margem direita do rio Doce era habitada pelos índios botocudos. [2] Os indígenas chamados de botocudos eram formados por duas etnias falantes de língua macro-gê: Nakrehé e Gutkrak. Esses dois grupos se reuniram e formação os chamados borun/krenak. Eles são os últimos botocudos do leste de Minas Gerais.[3]
Na mata virgem, eles ainda preservavam seus costumes como andar nus e construir os kijeme, seus ranchos cobertos de folhas de palmeiras. Os mortos eram cremados sem nenhuma cerimônia fúnebre.[4]
As mulheres casadas utilizam o botoque no lábio inferior como sinal de compromisso. As casadas que deixassem se usá-los eram discriminadas. Tanto homens quanto mulheres utilizavam um brinco de madeira como adereço.
O casamento entre os botocudos não tinha cerimônia especial. O pretendente que já pudesse caçar e sustentar a mulher ia até o pai da moça e pedi o consentimento. De modo geral, os casamentos eram monogâmicos. Existia também a poligamia, mas a responsabilidade imposta ao marido era grande.
A dieta dos botocudos era à base de carne e de frutas. Comiam quase toda espécie de animal, inclusive cobras. Eles preparavam a carne assada. Tradicionalmente, caçavam com arco e flecha. A fruta mais apreciada por eles, segundo Álvaro Silveira, é a sapucaia (“aju”). O milho (“uati”) era alimento apreciado.[5]
Os números para os botocudos se limitavam às duas mãos. Isso significava que contavam até dez, além disso, era multidão. Os botocudos viviam em guerras contra os povos da margem esquerda do Rio Doce.[6]

2.    Os puris

            Ao sul do rio Doce habitavam os índios puris. Segundo Álvaro Silveira, eles habitavam as margens do rio São Manoel próximo da divisa entre Minas Gerais e Espírito Santo. Naquela região havia no início do século XX uma aldeia com 40 indivíduos. Estavam lá desde o ano 1873.[7]
            A região onde viviam estes puris é o município de Mutum e região, conforme aponta Álvaro Silveiro, porque ele afirma que eles habitavam a parte litigiosa entre Minas Geras e Espírito Santo. 547-548.

Referências

SILVEIRA, Álvaro A. da. Memórias Chorográphicas. Volume I. Belo Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais, 1921, p. 521-522.

PORTES, Edileila Maria Leite. Arte, Arte indígena, Arte Borum/Krenak: os imbricados caminhos para a compreensão da arte. Ars, ano 13, n. 25, 2001, p. 89-103.



[1] Bacharel e licenciado em Filosofia, bacharel livre em Teologia, especialista em Docência do Ensino Básico, do Ensino Superior em Língua Latina e Filologia Românica e mestre em Ciências das Religiões.
[2] SILVEIRA, Álvaro A. da. Memórias Chorográphicas. Volume I. Belo Horizonte: Imprensa Official do Estado de Minas Gerais, 1921, p. 521-522.
[3] PORTES, Edileila Maria Leite. Arte, Arte indígena, Arte Borum/Krenak: os imbricados caminhos para a compreensão da arte. Ars, ano 13, n. 25, 2001, p. 89-103.
[4] SILVEIRA, 1921, p. 521-522.
[5] SILVEIRA, 1921, p. 522-526.
[6] SILVEIRA, 1921, p. 546.
[7] SILVEIRA, 1921, p. 547.