sábado, 31 de outubro de 2009

I Conferência Municipal de Cultura

CULTURA, CIDADE E CIDADANIA[1]

José Aristides da Silva Gamito[2]

Resumo

Este artigo pretende discutir a importância de um espaço cultural nas cidades de pequeno porte com a finalidade de revitalizar a identidade e as manifestações culturais locais e promover a inclusão social para pessoas carentes e de áreas vulneráveis à ociosidade e à criminalidade. A educação associada à promoção da cultura contribui para a prática da cidadania fazendo com que a cidade progrida econômica e socialmente.

Palavras-chave: Cultura, cidade, cidadania, memória, inclusão.

1. Introdução

A discussão sobre a correlação entre cultura e cidadania nas cidades de pequeno porte veio em boa hora. Atravessamos uma época marcada por oportunidades de crescimento, mas ao mesmo tempo desafios aparentemente insolúveis de ordem social. Somente através da abertura de espaços para a valorização da cultura associados à educação e à inclusão social podemos vencer muitos problemas sociais como a pobreza, a criminalidade e o uso de drogas ilícitas. Essas questões que só assolavam as cidades grandes atualmente são desafios em qualquer aglomeração urbana. A cidade possui o seu encanto e seus desafios. As transformações sociais que não levam em conta a identidade e os valores de uma comunidade levam as novas gerações a uma incapacidade de viver a nova liberdade e os novos instrumentos postos à sua disposição.

2. A cultura e sua dinamicidade

A cultura diferencia o homo sapiens dos demais animais. Enquanto as outras espécies são guiadas pelos seus instintos e dependentes exclusivamente da natureza imediata, o homem trabalha a natureza e constrói a cultura. Um processo facilitado pela possibilidade da comunicação oral e a capacidade de fabricação de instrumentos (LARAIA, 1996, p. 29). É neste sentido que os antigos gregos entendiam o termo ethos: É ao mesmo tempo a morada e os costumes de um povo. Os costumes e os valores estão contidos naquilo que os gregos chamavam de ética. É justamente o cuidado com a identidade e a memória da comunidade que culmina na política, isto é, na prática da cidadania.

Segundo Edward Tylor “cultura é todo o complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (LARAIA, 1996, p.25). Em síntese, é toda a atividade humana adquirida e não transmitida por mecanismos biológicos. A cultura nasce da necessidade de se adaptar ao meio, somando experiência para que as gerações futuras não tenham que começar do zero. Todas as pessoas nascem numa determinada cultura. Por mais que alguém como sujeito produza também cultura, será sempre dentro do seu horizonte cultural de origem.

A propósito o termo latino cultura provém do verbo colo com os sentidos de “cultivar, morar, cuidar, enfeitar, praticar, respeitar”. Considerando essa base etimológica percebemos dentro do conceito de cultura a noção de identidade, pertença a uma comunidade, preservação dos valores, a dimensão artística e a produção de bens culturais. A cultura possui uma dimensão simbólica e outra prática, tátil. O senso comum reduz cultura a manifestações artísticas.

A desigualdade social manifesta-se então na divisão entre cultura erudita e cultura popular, a primeira utilizada como aparato de diferenciação de uma elite e a outra definida como manifestação espontânea e inferior. Daí o sentido consolidado de cultura como sinônimo de uma posição intelectualmente elevada, em geral ocupada por aqueles de posição também economicamente superior (SILVA, 2009).

A cultura, segundo o antropólogo estadunidense Leslie White, surgiu “quando o cérebro do homem foi capaz de gerar símbolos” (LARAIA, 1996, p. 56). Assim as comunidades humanas se adaptaram a seus embasamentos biológicos. A adaptação tem como finalidade a sobrevivência.

A cultura oferece às novas gerações a “lente” para ver o mundo. Cada sistema cultural produz valores, convicções, quando comparados são até mesmo antagônicos. Se não houver um conhecimento ético e antropológico o encontro entre os sistemas resultará em choque. A história está repleta de exemplos: Cruzadas, genocídios, escravidão, etnocentrismo europeu. A força da cultura é tão grande que chega a interferir no plano biológico.

“Entre os índios Kaapor, grupo Tupi do Maranhão, acredita-se que se uma pessoa vê um fantasma ela logo morrerá. O principal protagonista de um filme, realizado em 1953 por Darcy Ribeiro e Hains Forthmann, ao regressar de uma caçada contou ter visto a alma de seu falecido pai perambulando pela floresta. O índio deitou em uma rede e dois dias depois estava morto” (LARAIA, 1996, p. 78).

O exemplo demonstrado é um dentre tanto outros apresentado por Laraia. Em um sistema cultural onde se crê em entidades imaginárias, fenômeno naturalmente não comprovado, os fatos passam a ser realidade na vida de quem pertence àquela comunidade. A cultura possui uma lógica interna própria. Os valores fundamentais de um grupo podem ser relativos comparados aos presentes em outras culturas. O homem leva tanto a sério sua cultura que chega até superar seu instinto de conservação. Exemplos típicos são kamikazes e homens-bomba. Além disso, a cultura é dinâmica, transforma-se com o tempo. É dentro dessa expansão da cultura que nasce a cidade.

3. A urbanização e as práticas culturais modernas

Há aproximadamente 12 mil anos surgiram as primeiras vilas no período neolítico graças ao domínio da agricultura e à domesticação de animais para a pecuária. Para a fundação desses aglomerados humanos permanentes foram necessários avanços tecnológicos, organização social e um local adequado para instalação (WIKIPÉDIA, 1). Ao poucos as primeiras vilas deixaram de ser assentamentos para serem um modo de vida. Na Grécia antiga, a cidade se desenvolve culturalmente chegando às noções de polis (Estado) e à politiké (arte de se viver na cidade), base para o conceito de cidadania. A urbanização intensa e transformadora dos hábitos de vida veio a acontecer na era moderna.

É interessante notar que o vocábulo “cidade” também sofreu transformações: deixou de significar apenas um lugar fisicamente delimitado onde as pessoas vivem juntas e passou a ser entendido como “comunidade”, isto é, como vida política que se dá a partir de uma certa experiência de exercício de poder socialmente organizada (SILVA, 2009, p.1).

A partir do século XVIII, a Revolução Industrial contribui para uma mudança drástica nas cidades. O Brasil participou desse processo a partir do século seguinte com o desenvolvimento da cidade de São Paulo.

As principais cidades, a partir da segunda metade do século XIX, passaram a receber uma enorme quantidade de melhorias técnicas, desde a implantação de sistema hidráulico, de iluminação, de transporte coletivos com tração animal e redes de esgoto até planos urbanísticos de logradouros públicos, praças e vias arborizadas (WIKIPÉDIA, 2)

A partir da década de 40 começou um progressivo êxodo rural. As fábricas agilizaram a produção, as invenções facilitaram o cotidiano. A cidade ganhou uma dimensão estética: A beleza da iluminação, as possibilidades de se viver a liberdade, o entretenimento, o contato com a diversidade. O desafio que veio junto com essa revolução cultural foi inadequação desses ambientes a seus novos valores: Falta de planejamento por parte do Estado e a marginalidade associada à criminalidade. As cidades possibilitaram o encontro entre culturas, deram suporte para a sofisticação dos bens culturais e simultaneamente provocaram choque de valores.

4. O direito de acesso aos bens culturais

Com a evolução da vida social e econômico, o patrimônio cultural acumulado ao longo da história tornou-se ameaçado de destruição. As duas guerras mundiais e diversas transformações das cidades destruíram muitas tradições e monumentos. No século XX, gradativamente foi surgindo uma consciência expressa em lei que reconhece em pé de igualmente o patrimônio natural e cultural como parte integrante da vida de uma sociedade. É importante distinguir aqui os patrimônios imaterial (costumes, tradições) e material (construções, obras de arte).

Em 1972, a Unesco aprovou a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. O texto decide como responsabilidade do Estado delimitar os seus bens culturais, assegurando a proteção, conservação, valorização e transmissão às gerações futuras (UNESCO, 1972). Nas cidades pequenas os efeitos dessa convenção demoram mais a chegar por causa da menor visibilidade de seus bens, mas se a população local não se ativer a essa necessidade sua memória e identidade vão sendo esquecidas.

Outro documento importante que reforça essa consciência da proteção à cultura é a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, de 1989. Inicialmente o texto define o que se entende por cultura popular:

A cultura tradicional e popular é o conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem à expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes (UNESCO, 1989).

Depois de definir cultura popular, a Recomendação orienta o Estado a identificar, classificar, registrar, conservar e difundir as tradições regionais. Neste sentido de difusão, tais tradições deveriam ser componente curricular nas escolas, para que antes do conhecimento de culturas em âmbito nacional e mundial, os educandos conheçam suas raízes.

Referente à cultura, temos um conjunto de princípios internacionalmente reconhecidos que nos dão suporte para fundamentar o direito à cultura. Esses princípios partem de uma tradição fundada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). Juntamente com a garantia dos direitos vitais como alimentação, saúde, moradia, uma sociedade democrática não pode esquecer que todo cidadão tem direito a assumir sua identidade, manifestar suas tradições, participar da vida cultural de sua comunidade, assim como ter protegida a sua produção artística.

5. Cultura e cidadania: Uma parceria indispensável

A civilização greco-romana atribuiu uma conotação notável à palavra “cidade”. Se inicialmente as cidades eram agrupamentos para facilitar a sobrevivência pela cooperação mútua, com o desenvolvimento da civilização elas se tornaram espaço de debates, troca de experiência, de estabelecimento de princípios éticos e políticos. As classes sociais dividem o mesmo espaço.

A proposta de valorização da cultura popular no espaço das cidades vem para combater uma segregação entre cultura erudita e popular. As pequenas cidades muitas vezes acostumadas a receber somente bens culturais passado pela mídia carecem de uma valorização de seus próprios valores. Principalmente quando nas áreas urbanas predomina o “neo-coronelismo”. O poder público atende apenas os direitos vitais e irrecusáveis porque dão voto e se esquece de políticas voltadas para a cultura. Há ausência de criatividade, somente a manutenção do sistema.

As ações culturais têm encontrado nos projetos de ONGs junto a comunidades carentes um vínculo essencial à cidadania. As experiências nacionalmente conhecidas como as do Olodum[3], do Grupo Cultural AfroReggae[4] e da CUFA (Central Única das Favelas) demonstram a transformação social operadas através da arte. A associação entre cultura e cidadania não pode cair no erro de instrumentalizar a arte como meio de disciplinar as pessoas infratoras. A cultura em si já direciona a arte para a cidadania.

O direito à cultura pressupõe o gozo dos direitos civis, que têm a ver com a manifestação livre do pensamento, com o direito de ir e vir, e, portanto, de acesso livre aos diferentes territórios da cidade. Esse, por sua vez, pressupõe o direito à vida digna e à inclusão na cidade. Já o direito à participação política se beneficia e se completa com o direito à educação e à informação (ANDRADE, 2009, p.2).

Quando o cidadão encontra um espaço que lhe proporciona informação, manifestação livre do pensamento, ele encontra também a porta dos outros direitos. A cidadania é a manifestação mais cuidadosa e engajada da cultura. Significa tomar as rédeas do processo cultural, administrando o patrimônio de uma comunidade, discutindo e participando das responsabilidades.

6. Proposta de um espaço para a cultura e sua relevância social

A cidade de Conceição de Ipanema é carente de um espaço visível para conservação da memória e da valorização da cultura regional. O povoado fundado em 1850 por Francisco Inácio Fernandes Leão devido à sua situação geográfica foi palco de ricas experiências culturais, sociais e políticas como a disputa de divisas entre Minas e Espírito Santo, a diversidade trazida pelos imigrantes alemães, além de integrar em 1896 a República do Manhuassu liderada pelo coronel Serafim Tibúrcio e apoiado pelo coronel João do Calhau (SANTOS, 2007, pp. 32-48).

A partir de motivações históricas e atuais a cultura merece encontrar um espaço em Conceição de Ipanema. A cidade em questão se encontra numa situação típica dos pequenos municípios. É necessário construir coletivamente um projeto que contemple a cultura local, mas que a associe à educação e à cidadania. Alguns passos necessários:

As instâncias promotoras de cultura se resumem às escolas, às igrejas e à rádio. No desempenho desses papéis as três têm pouca visibilidade. O ponto de partida é conscientizar-se e valorizar o que já tem. A Secretaria de Educação se comporta em si também a dimensão cultural deveria realizar o inventário do patrimônio cultural, em seguida, efetuar uma pesquisa sócio-econômica para identificar pessoas carentes de projetos sociais. O próximo passo seria elaborar um projeto para captar pessoal e instituir um Centro Municipal de Cultura Popular. Essa instituição iria cadastrar todos os artistas, historiadores e pensadores. Em seguida, iria promover eventos culturais e panfletagem para sensibilização dos cidadãos.

Depois disso seria inscrever jovens de 12 a 21 anos interessados em oficinas de artes. O Centro Cultural promoveria uma capacitação desse pessoal, que passaria a ser um grupo que teria um calendário anual de eventos que envolvessem a comunidade. Os jovens e as suas respectivas famílias através de artesanato e ofícios ligados teriam uma geração de renda administrado por um sistema cooperativo. Além disso, as pessoas de faixa etária acima de 21 seriam chamadas ao voluntário, possibilitando o encontro dos saberes de gerações diferentes.

O Centro Cultural teria como função pesquisar, registrar, conservar, capacitar e exercer atividades culturais como música, teatro, dança, pintura, artesanato. Essas atividades na vida dos adolescentes trariam harmonia, produtividade, capacidade de reflexão e finalmente profissionalização. As oficinas multidisciplinares ajudariam a descobrir vocações.

O Centro seria um parceiro da escola, pois promoveria alfabetização de adultos, cursinho pré-vestibular e outros necessários para o mercado de trabalho. A pedagogia da instituição é conciliar cultura e cidadania. Alguns serviços que faltam como o registro da história, a recuperação das tradições e língua por parte dos imigrantes alemães, a preservação da cultura rural, o uso dirigido das novas tecnologias como a internet. A escola sentiria os efeitos de tal mudança e a sociedade teria um retorno positivo para as próximas gerações.

Considerações finais

Ao relacionar cultura, cidade e cidadania aparecem-nos muitos valores e desafios. A tarefa fundamental da sociedade moderna é transforma as cidades em oportunidade de crescimento solidário e não palco para a criminalidade. A associação entre cultura e cidadania tem auxiliado muitas comunidades brasileiras a combaterem a marginalidade e a garantirem a efetivação dos direitos humanos. A cidade surge para somar benefícios e não gerar uma guerra sem “tropas” definidas. A ausência do Estado e da educação poderá transformar a cidade na luta de todos contra todos, isto é, um grande desserviço às conquistas da civilização moderna.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Luciana Teixeira de Andrade. Cultura, cidade e cidadania. Belo Horizonte: II Conferência Municipal de Cultura, 2009.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.

SANTOS, Flávio Mateus dos. O poder local em Minas Gerais (1877-1896) e a inusitada experiência da República Manhuassu (10/05/1896 – 03/06/1896). Caminhos da história. Revista discente do programa de mestrado em História social. Vassouras: Universidade Severino Sombra, ano 3, volume 3, 2007.

SILVA, Franklin Leopoldo e. Cultura e cidadania. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009.

UNESCO. Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. Paris: Conferência Geral da Unesco, 1972.

UNESCO. Recomendação sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular. Paris: 25ª Conferência Geral da Unesco, 1989.

Sites

WIKIPÉDIA 1. História das cidades. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/História_das_cidades. Acesso em 28/10/09.

WIKIPÉDIA 2. Urbanização. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Urbanização. Acesso em 28/10/09.



[1] Palestra apresentada na Conferência Municipal de Cultura, na Escola Municipal Professora Neuza Nantes, dia 30 de outubro de 2009, Conceição de Ipanema, MG.

[2] Licenciado em Filosofia pelo Instituto Teológico e Filosófico de Caratinga, Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário, bacharelando em Filosofia pela Faculdade João Calvino e pós-graduando em Docência do Ensino Básico e do Ensino Universitário pela Faculdade de Tecnologia Darwin.

[3] ONG de Salvador surgida em 1979.

[4] O AfroReggae é uma ONG criada em 1993 no Rio, na comunidade Vigário Geral desenvolve 65 projetos sociais.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

EDUCAÇÃO

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