O QUE É TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO?
Uma teologia que precisa ser revisitada,
antes de ser refutada
A Teologia da Libertação vem sofrendo
ataques sistemáticos desde sua origem e, como era de se esperar, nessas eleições,
novamente aparecem as difamações dos defensores da Teologia da Libertação. As críticas
acabam dividindo os católicos nessa polarização bolsonarista/lulista. No
entanto, pouca gente sabe, de fato, o que é a Teologia da Libertação. A
equiparação de Teologia da Libertação com comunismo é mais uma desonestidade
intelectual em pauta.
Primeiramente, devemos fazer a distinção que
o sociólogo Michel Löwy faz. Há a Teologia da Libertação e o Cristianismo de
Libertação. O Cristianismo da Libertação é uma confluência de
diversas ações pastorais que procuravam enfrentar os desafios sociais e
econômicos dos cristãos católicos nos fins de 30 a início de 40. Foram exemplos
disso: a Ação Católica, Juventude Universitária Cristã, Juventude Operária
Cristã e Comunidades Eclesiais de Base.
A Teologia da Libertação
surgiu depois como reflexão espiritual sobre essa prática. Ela recebeu influência
desse novo modelo pastoral e como produção de ideias o influenciou. Mas, como o
próprio nome diz, Teologia da Libertação é um conjunto de textos. É literatura.
Não é um movimento político. Muitos usam o termo de modo inadequado.
São esses os autores que fundamentam os
princípios da Teologia da Libertação: Gustavo Gutiérrez (Peru), Rubem Alves,
Hugo Assmann, Carlos Mesters, Leonardo e Clodovis Boff, Frei Betto (Brasil),
Jon Sobrino, Ignacio Ellacuría (El Salvador), Segundo Galilea, Ronaldo Munoz
(Chile), Pablo Richard (Chile-Costa Rica), José Miguez Bonino, Juan Carlos
Scanone, Ruben Dri (Argentina), Enrique Dussel (Argentina-México), Juan-Luis Segundo
(Uruguai), Samuel Silva Gotay (Porto Rico).
Quais são as ideias mestras da Teologia da
Libertação? 1ª - A proposta de que a Igreja deve
fazer uma “opção preferencial pelos pobres”. Isso não significa se esquecer dos
ricos na comunidade, mas, de olhar primeiro para as necessidades dos pobres. 2ª
– A salvação começa com a libertação histórica do ser humano (de suas condições
de perda de direitos e de dignidade). 3ª - Não há distinção entre história
humana e história divina, entre deveres terrenos e deveres celestiais – ou seja,
o Reino de Deus começa acontecer em vida. 4ª – Leitura da Bíblia a partir do
modelo de libertação do Êxodo. A partir daí, elenca-se uma série de ações
libertadoras na Bíblia. 5ª – Crítica ao capitalismo como idolatria do lucro. A
base bíblica dessas ideias é inegável. O profetismo do Antigo Testamento está
repleto de críticas ao poder dos reis e com apelo ao cuidado do pobre, do órfão,
da viúva e do estrangeiro. Além disso, toda a prática de Jesus é de inclusão das
pessoas desamparadas e discriminadas: a mulher adúltera, o cego, o leproso, o
ladrão na cruz, os famintos. Assim como ele critica a exploração do comércio.
Quais críticas existem contra a Teologia
da Libertação? É preciso entender o contexto. O
Cristianismo de Libertação surgiu a partir dos anos 40, ganhando corpo nos anos
60, esse período coincide com as revoluções comunistas. A Igreja temia uma
adesão em larga escala ao comunismo. Como a Teologia da Libertação criticava o
capitalismo e suas formas de exploração, isso soava para os conservadores como
um apoio ao comunismo.
Outro temor era de que fosse um modelo de
religião materialista. Houve muitas tentativas de vincular as ideias da
Teologia da Libertação ao marxismo. Mas há uma distinção clara. Marxismo é uma teoria/movimento
política e econômica. Teologia da Libertação é uma reflexão espiritual e pastoral.
Mesmo havendo analogias, nem todos os teólogos da libertação conheciam a fundo as
teorias de Karl Marx. A Teología del Pueblo da Argentina, por exemplo,
não tem relação nenhuma com o método marxista. Aliás, surge até à parte das
demais teologias do continente.
Embora, houvesse analogias de ideias com
partidos de inspiração socialista e até a entrada de pessoas do Cristianismo de
Libertação na militância política, a Teologia da Libertação é puramente uma
reflexão que tem em consideração a situação do pobre na prática pastoral. Portanto,
não é um movimento político-partidário.
Como está atualmente a Teologia da
Libertação? As
críticas repetidas contra a Teologia da Libertação foram geradas na primeira
fase da teologia. O próprio Vaticano reagiu com censura contra vários teólogos.
Mas a prática do Cristianismo de Libertação nunca foi impedida. Atualmente, a
Teologia da Libertação já se transformou e ampliou a visão de libertação do
pobre. A categoria envolve muitas identidades como as mulheres, os negros, os
indígenas, os sem tetos, o meio ambiente. É uma defesa dos direitos
fundamentais dos cidadãos. É uma ação primeiramente eclesial, mas ela tem seu alcance
até a esfera pública. Os cristãos são simultaneamente membros da Igreja e
cidadão do Estado.
A respeito dos excessos, eles existem,
como existe em todo movimento. O incômodo com o excesso de materialismo é uma
percepção que se deve ao fato de que na Igreja havia um excesso de espiritualismo.
A relação Igreja e sociedade passava pela conivência com o status quo. Questionar
isso incomoda e até gera conflitos. A prática da caridade proposta pelo
Cristianismo da Libertação depende do contato com a política porque não se
pensa mais na caridade assistencialista e, sim, de promoção do sujeito. E isso
depende de políticas públicas. Em todo movimento, deve se evitar o pensamento
único. Tudo é questão de diálogo.
Mas isso não invalida a Teologia da
Libertação que sempre foi uma reflexão espiritual, pastoral com base bíblica. Não
é possível pensar o cristianismo sem a emancipação das pessoas. Lembre-se de Mt
25, 34-36:
Vinde, benditos de
meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do
mundo; Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e
destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu,
e vestistes-me;
adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver.
Neste texto, altamente soteriológico,
acolher as categorias do faminto, do sedento, do estrangeiro, do nu, do
doente e do encarcerado é condição para herdar o Reino dos Céus. Isso deve
ser central no cristianismo. O problema é que os críticos da Teologia da
Libertação não propõem uma alternativa pastoral para isso, apenas reduzem a
tarefa da Igreja a ministrar sacramentos. É uma rejeição irresponsável do
Cristianismo da Libertação. A Teologia da Libertação precisa ser revisitada,
antes de ser refutada de modo generalizado. O abandono do discurso de inclusão
pode levar a um esquecimento total do compromisso ético e social do
cristianismo.
Leitura
recomendada:
LÖWY,
Michel. O que é cristianismo de libertação. São Paulo: Expressão
Popular, 2016.
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