segunda-feira, 31 de maio de 2021

Cristianismo psicoterapêutico

 O CRISTIANISMO É MERAMENTE TERAPÊUTICO?

 

José Aristides da Silva Gamito



Não existe um só cristianismo. Existem cristianismos. Nesta brevíssima reflexão quero falar de uma dessas variedades. Há uma forma de cristianismo em atividade que reduz todas as crenças e ritos a uma atividade terapêutica. Sim, uma psicoterapia. Nesta vertente cristã, Jesus é apresentado como um terapeuta que cura as doenças psíquicas e emocionais dos fiéis. O anúncio da fé em Jesus sempre pressupõe um contexto de sofrimento e de fracasso. As pregações e os hinos funcionam como discursos de motivação emocional. São palavras de ordem “vai passar”, “há esperança”, “você nasceu para vencer”. O rito litúrgico gira unicamente em torno da cura psíquica do crente e de sua motivação a acreditar em si mesmo.

Portanto, temos aí um cristianismo que reduziu sua função à psicoterapia. Há outras variedades de reducionismo. Eram motivos de constantes debates teológicos esses reducionismos no cristianismo antigo. O gnosticismo, por exemplo, reduzia o programa do cristianismo ao acesso a um conhecimento secreto que divinizava o fiel. Mas, afinal, qual é o programa do cristianismo dentro da tradição Jesus? A salvação é unicamente da psiquê?

O evangelho de Lucas apresenta o programa da salvação que Jesus oferece por meio desta citação do profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor” (Lc 4, 18-19). A função da pregação de Jesus é trazer novidades positivas para uma categoria socioeconômica chama de pobres, depois libertar os presos, curar as deficiências, libertar os oprimidos e anunciar um tempo especial.

Então, a função do cristianismo deve coincidir com o propósito da pregação de Jesus. Não é? Ela envolve aspectos físicos, psíquicos, socioeconômicos e políticos. Um conceito integral de salvação envolve a cura, libertação e preservação da integridade do homem inteiro. Salvam-se o corpo e a alma! A noção de salvação e, consequentemente, da função do cristianismo sempre esteve ligada a algum reducionismo. Quando se enfatiza demais em um aspecto, descuida-se dos outros. O discurso pentecostal foca na dimensão psíquica e se esquece das condições materiais dos fiéis. O resultado é uma igreja reduzida a um consultório psiquiátrico. O discurso da Teologia da Libertação enfatiza demais a dimensão sociopolítica e se esquece das condições psíquicas e espirituais. A igreja vira partido político. A teologia da prosperidade pesa a mão no sucesso financeiro e a igreja vira empresa. O conservadorismo católico enfatiza a moral sexual e o apego aos ritos e transforma a igreja em um departamento de censura.

Os reducionismos não traduzem de fato os discursos de Jesus. O cristianismo não tem unicamente uma função. Se fosse assim, será ineficaz, não atenderia todas as necessidades do ser humano. Por mais que muitos reivindiquem a leitura da Bíblia, acho que está faltando um cristianismo mais próximo dos evangelhos. Isso evitaria os reducionismos de compreensão do conceito de salvação e da função do cristianismo.