quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

O risco do esquecimento do pobre na consolidação de uma era bolsonarista

José Aristides da Silva Gamito

Foto: BBC.

Nos tempos atuais, falar de política parece mais uma questão de preferência afetiva por uma determinada posição ideológica do que uma opção pela verdade. Embora, cada um dos pólos direita/esquerda queira estar com a verdade.  A verdade está longo disso. Portanto, falar de certo ou errado nestes debates acalorados depende de equilíbrio e de autocrítica.
Particularmente, não acredito em nenhuma ideologia política salvadora, libertadora. Apenas confio mais naquelas que são capazes de dialogar e de incluir maior número de pessoas como beneficiárias dos bens que a política deve proporcionar a todos. Deveria haver menos polarização política e mais absorção de pontos positivos e comuns. A rivalidade empobrece as relações. A colaboração mútua entre os políticos deveria ser uma prática comum, mas, é claro que, a ambição do controle do poder impede isso.
Há muitas conquistas sociais dos governos FHC, Lula e Dilma que não podem ser reduzidos a questões ideológicas. A rotulação de posturas ou de medidas políticas de um adversário político totalmente como ideologia é sem sentido. Uma insistência em “passar o país a limpo” pode significar reformas de modo predatório. Ao longo da nossa jovem democracia, o país foi ampliando o conceito de direitos humanos, direitos sociais, igualdade. Essas contribuições vieram de diferentes segmentos sociais e políticos. E são valores compartilhados pelas grandes democracias. Não é propriedade da esquerda.
O politicamente correto, a ênfase na diversidade de gênero e outras reivindicações do direito das pessoas incomodam os mais conservadores. Essas reivindicações culturais e sociais provocam, exigem espaço. Às vezes, extrapolam na forma de reivindicar. Mas os contrários também o fazem. E qualquer cristão conservador tem o direito de achar que não deveria ser bem assim. Acho que em ambas partes faltam o diálogo e a definição de espaços, de procedimentos de convivência mútua.
Porém, o que mais temo é que a “demonização” do socialismo leve a rotulação preconceituosa e precipitada das políticas públicas e de tantas conquistas dos brasileiros. Toda transição tem seus riscos. O governo Bolsonaro vai precisar de sabedoria e não tem outra forma de fazer, sem dialogar com a sociedade organizada. Nesta era, temo o esquecimento do discurso sobre o pobre, mesmo com o risco eleitoreiro e populista do petismo, foram estabelecidos meios de ouvir e de promover o pobre. Isso não mérito exclusivo do petismo, estas aberturas começam com o governo FHC.
Se a categoria do “pobre” enquanto discurso reconhecido pelo Estado for extinta, muitos outros espaços sociais, as igrejas, tudo pode subestimar qualquer apelo em favor de políticas igualitárias. Na era pós-socialista, estes discursos foram bastante esquecidos, foram utilizados mais como reforço ideológico para o populismo. Este é o grande risco do programa de desmonte do “socialismo” (socialismo este que não acredito que exista no Brasil como foi enfatizado nesta campanha eleitoral). Reafirmo isto porque a defesa do pobre e do marginalizado não é propriedade do PT e nem de qualquer partido de esquerda. Este discurso anti-socialismo poder se tornar uma desculpa para a não-inclusão social que já é desejada latentemente por muitos grupos deste país. Fiquemos atentos!