quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Quando Deus se torna cabo eleitoral


QUANDO DEUS SE TORNA CABO ELEITORAL

José Aristides da Silva Gamito


Há um ditado popular que diz que “futebol, política e religião não se discutem”. Mas o debate é inevitável, principalmente, quando se trata da relação entre política e religião. Não tem como separar o crente do político. O que é necessário é estabelecer o limite, o espaço e os parâmetros desta relação. Além de assumir o compromisso de um debate respeitoso, é claro!
Se há um problema grave atualmente provocado pelos setores conservadores católicos e evangélicos neopentecostais é levar Deus para o centro do debate político como se fosse um cabo eleitoral. Ignorando o Estado laico e a pluralidade no espaço democrático, esses cristãos tornam a religião uma condição indispensável para ser candidato. A competência técnica e a ética exigidas para desempenhar um cargo eletivo não passa necessariamente pela confissão de alguma fé. Há uma mistura entre o homem público e o homem cristão.
O mais grave é quando o fundamentalismo religioso, o moralismo conservador, tudo passa a se impor e a ameaçar a democracia. Além das falsas notícias, interpretações fundamentalistas e fantasmas ideológicos são apresentados como justificativa para se votar em algum candidato. O texto bíblico sofre violências interpretativas para fundamentar posturas violentas e discriminatórias.
Na impossibilidade de diálogo entre projetos políticos de direita e de esquerda, corremos o risco de perder agendas políticas importantes para assegurar a dignidade e os direitos dos cidadãos. Há valores fundamentais que não são propriedades do liberalismo ou do socialismo. Mas que alguns setores ignoram porque são “bandeiras” do adversário. Quando algum grupo divide a sociedade entre aqueles que votam no “projeto de Deus” e aqueles que não votam, corre o risco de menosprezar as reivindicações dos outros por rotulá-los de “inimigos de Deus”. A imposição de ideologias como se fossem a genuína Palavra de Deus gera, na verdade, uma violência contra o direito de muitos concidadãos.
A utilização do fundamentalismo religioso como força motriz para a eleição de um candidato além de ser prejudicial para a democracia, é também para as comunidades religiosas. Quando cristãos reduzem ou identificam a vontade de Deus com um candidato e este acaba por cometer uma falha grave, a credibilidade da religião é afetada juntamente.  O discurso religioso é um horizonte ideal, imaculado, mas quando se torna prática encarnada no partido ou no candidato quebra o encanto e pode causar muitos malefícios. Afinal, o que precisa ficar claro é que, na democracia, o crente pode ser político, mas o político não tem de ser necessariamente crente.
Com moderação e diálogo a gente avança, mas se abandonarmos a racionalidade em benefício do sectarismo e do fundamentalismo só iremos aprofundar mais as crises deste país.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

A Ética da Compaixão


ENTRE A FORÇA E A COMPAIXÃO

José Aristides da Silva Gamito


A história moral do Ocidente nos mostra dois ideais de vida que são marcados, consequentemente, por dois princípios básicos: A força e a compaixão. A força é a virtude que se encarnou na sociedade grega, principalmente, aquela do período homérico. Ela está encarnada também nos grandes impérios. Trata-se de um modo de viver impulsionado pelos instintos da raiva, da busca pela derrota do destino, da entrega às lutas sangrentas, à procura pela honra (timé) e pela glória (kléos). As virtudes dos heróis homéricos da Ilíada e da Odisseia são exemplos deste modo de viver. O herói grego e romano que é celebrado pelos seus feitos na guerra e recordado com ereção de estátuas.
O homem belicoso que aposta sua ação na força predominou nessas sociedades marcadas pelo ideal da guerra e do destino traçado. É um modelo que se contrasta com a compaixão que vem das tradições cristã e budista. A negação da honra, da glória e da violência está implícita nesses sistemas morais. Apesar de cristãos e budistas terem compreensões distintas da virtude da compaixão, eles representam juntos o antagonismo da moral da força. A moral da compaixão considera a sensibilidade do outro na ação. É uma virtude que exige a razão, mas não se sustenta nela. O sentir do próximo é a referência para avaliarmos o que é moral ou não. Antes de agir, o homem compassivo avalia as consequências da sua ação sobre a sensibilidade do outro. A moral da força considera, por outro lado, somente o bem-estar do “eu”.
Estamos falando disso não porque se trata de uma história das ideias, esses ideiais estão imbricados no nosso cotidiano. É presente! Se considerarmos o Brasil como um país majoritariamente cristão, impacta-nos a defesa constante nas redes sociais e em posições partidárias de um cristianismo baseado na força. A força é um corpo estranho à moral cristã. Os apelos partidários à execução sumária de bandidos, o discurso impiedoso pró-aborto, o menosprezo das minorias como indígenas e quilombolas, mostram um recurso à moral da força. Além disso, uma parcela da sociedade que se afirma como indignada com a situação do país, apresenta-se como guardiã da moral cristã, mas uma moral carente de fraternidade e de compaixão.
A entrega ao discurso de ódio e de violência não resolve o problema de uma sociedade. Quando se dá a violência como resposta à violência automaticamente o mal aumenta e o bem diminui. Esta parece ser uma lógica difícil de ser compreendida por aqueles que cultuam a violência no seu interior! O mandamento do amor soa pesado para muita gente. Os defensores da replicação do ódio pensam que a compaixão incute politicamente a impunidade do culpado, do criminoso. A reeducação para a compaixão é a necessidade urgente dos cristãos da nossa sociedade. Está em vias de institucionalização um cristianismo apesar de Cristo ou mesmo contra Cristo! Parafraseando Deuteronômio 19, 30, entre “a força e a compaixão; escolhe, pois, a compaixão”.