O CRISTIANISMO É MERAMENTE TERAPÊUTICO?
José
Aristides da Silva Gamito
Não existe um só
cristianismo. Existem cristianismos. Nesta brevíssima reflexão quero falar de
uma dessas variedades. Há uma forma de cristianismo em atividade que reduz
todas as crenças e ritos a uma atividade terapêutica. Sim, uma psicoterapia. Nesta
vertente cristã, Jesus é apresentado como um terapeuta que cura as doenças
psíquicas e emocionais dos fiéis. O anúncio da fé em Jesus sempre pressupõe um
contexto de sofrimento e de fracasso. As pregações e os hinos funcionam como
discursos de motivação emocional. São palavras de ordem “vai passar”, “há
esperança”, “você nasceu para vencer”. O rito litúrgico gira unicamente em
torno da cura psíquica do crente e de sua motivação a acreditar em si mesmo.
Portanto, temos aí um
cristianismo que reduziu sua função à psicoterapia. Há outras variedades de
reducionismo. Eram motivos de constantes debates teológicos esses reducionismos
no cristianismo antigo. O gnosticismo, por exemplo, reduzia o programa do
cristianismo ao acesso a um conhecimento secreto que divinizava o fiel. Mas,
afinal, qual é o programa do cristianismo dentro da tradição Jesus? A salvação
é unicamente da psiquê?
O evangelho de Lucas
apresenta o programa da salvação que Jesus oferece por meio desta citação do
profeta Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para
pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos
e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano
da graça do Senhor” (Lc 4, 18-19). A função da pregação de Jesus é trazer
novidades positivas para uma categoria socioeconômica chama de pobres, depois
libertar os presos, curar as deficiências, libertar os oprimidos e anunciar um
tempo especial.
Então, a função do
cristianismo deve coincidir com o propósito da pregação de Jesus. Não é? Ela
envolve aspectos físicos, psíquicos, socioeconômicos e políticos. Um conceito
integral de salvação envolve a cura, libertação e preservação da integridade do
homem inteiro. Salvam-se o corpo e a alma! A noção de salvação e,
consequentemente, da função do cristianismo sempre esteve ligada a algum
reducionismo. Quando se enfatiza demais em um aspecto, descuida-se dos outros.
O discurso pentecostal foca na dimensão psíquica e se esquece das condições materiais
dos fiéis. O resultado é uma igreja reduzida a um consultório psiquiátrico. O
discurso da Teologia da Libertação enfatiza demais a dimensão sociopolítica e
se esquece das condições psíquicas e espirituais. A igreja vira partido
político. A teologia da prosperidade pesa a mão no sucesso financeiro e a
igreja vira empresa. O conservadorismo católico enfatiza a moral sexual e o
apego aos ritos e transforma a igreja em um departamento de censura.
Os reducionismos não
traduzem de fato os discursos de Jesus. O cristianismo não tem unicamente uma
função. Se fosse assim, será ineficaz, não atenderia todas as necessidades do
ser humano. Por mais que muitos reivindiquem a leitura da Bíblia, acho que está
faltando um cristianismo mais próximo dos evangelhos. Isso evitaria os
reducionismos de compreensão do conceito de salvação e da função do
cristianismo.