PROCESSO DE REINSERÇÃO: ONDE ESTÃO OS EX-MINISTROS
E OS EX-ASPIRANTES A MINISTÉRIOS
NA IGREJA?
José Aristides da Silva Gamito
Introdução
Ultimamente
vem sendo divulgado na mídia que Richard Dawkins, biólogo e militante do
ateísmo, criou o Projeto Clero (The Clergy Project)[1]
que é mantido por sua fundação com a finalidade de apoiar clérigos que deixam o
ministério e não encontram mais acolhida e compreensão em suas comunidades
religiosas. Fiquei pensando: Por que um ateu teria de fazer isso? Não seria a
própria fraternidade cristã?
O
apoio de Dawkins, é claro, tem o propósito de incentivar o ateísmo, mas por
outro lado representa a emergência de um serviço necessário: Apoiar os egressos
da Igreja ou das Igrejas. Normalmente, os padres e os pastores que deixam o
ministério não são compreendidos por seus familiares e muitos são rejeitados
pelos amigos e por suas comunidades.
Esses
homens e mulheres recebem um estigma como se fossem anátemas. A situação piora
se ao deixa o ministério, o clérigo deixa também a fé que professara até aquela
ocasião. As Igrejas se pautam sobre os princípios da fraternidade, mas têm dificuldade
em acolher o “diferente”, o “não desejado”. É, na prática, uma fraternidade
condicional.
Muitas
vezes, os fiéis compreendem a vocação como um fato definitivo e não como um
processo. Segundo esta visão, os vocacionados são obrigados a seguir uma opção
única como se fossem predestinados e impedidos de retroceder. Descobrir a
ausência de vocação é encarado como ‘traição a Deus’. Percebe-se nesta
perspectiva a radicalidade do seguimento: “Quem põe a mão no arado e olha para
trás não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9, 62). Porém, uma radicalidade
aplicada à situação equivocada.
A Fundação Clero
A
fundação de Richard Dawkins desperta uma discussão relevante sobre como as
Igrejas acolhem seus clérigos egressos.
O projeto surgiu pensando em milhares de clérigos que já não mais
acreditam no que fazem, mas não deixam o ministério porque temem a rejeição,
não têm opção de emprego ou estão desatualizados demais para enfrentar o
mercado de trabalho. Recomeçar é desafiante para essas pessoas.
Muitos
fiéis veem esta situação com ingenuidade ou ignorância e consideram um problema
de fácil solução. Mas para a maioria dos envolvidos tudo soa como um drama
existencial.
A
fundação tem o exemplo da pastora metodista Teresa MacBain[2],
que deixou de acreditar em seu ministério, mas teve dificuldade em renunciar,
mas o fez graças ao apoio do Projeto Clero, que em sua comunidade online[3],
já possui mais de 200 membros.
A situação dos egressos no Brasil
No
Brasil, já existe um movimento organizado dos padres casados. São padres que
deixaram o ministério, continuam tendo fé, mas não encontram mais espaço na
Igreja. Exemplo disso é a Associação Rumos[4]. A
Associação existe desde 1986 e representa mais de 5 mil padres casados e suas
famílias.
Esta
classe assim como os ex-seminaristas, as ex-freiras, são alvo de uma
desconfiança por parte dos fiéis ou mesmo por parte da instituição e não
conseguem recuperar seu espaço dentro da Igreja. No fundo, são vistos de um
modo raso como “traidores da vocação”.
A
Igreja perde muito com esta dificuldade de inserção dos ex-ministros e ex-aspirantes
a ministérios, pois eles têm boa formação teológica, experiência de liderança.
Não são aproveitados na Igreja. Aliás, a Igreja é talvez a única instituição a não
aproveitar o retorno de seus investimentos quando se trata de qualificação de
pessoas. Todo o investimento feito através dos seminários fica anulado por uma
incompreendida desconfiança.
A hospitalidade cristã e a vida dos
egressos
Os
egressos sofrem com o processo de decisão, com a rejeição de parentes e da
comunidade, e por fim, não recebem o apoio da Igreja. São raros os casos de
acolhida e correta reinserção deles. Já é hora da Igreja institucionalizar este
suporte porque sua missão é humanitária, é fraterna. Portanto, deve começar a
acolher primeiramente os de casa, senão esta tarefa vai ficar para os ateus
como é o caso do Projeto Clero.
Não
combina com a natureza e missão da Igreja esta desconfiança e este tratamento
como “descartável” que muitas autoridades eclesiásticas dão a seus colegas
egressos. É uma situação que clama por humanidade. Muitos jovens deixam suas
famílias, seus trabalhos, ingressam na vida religiosa, desistem, não encontram
apoio e saem sem emprego, defasados para o mercado. O mesmo empenho que as
pastorais vocacionais têm em conquistar os vocacionados, elas devem ter em
acolher suas desistências. Se for diferente disso, teremos a nossa frente uma
relação descartável e de instrumentalização da pessoa humana.
Considerações finais
Duas
ações são necessárias: A acolhida imediata dos egressos e a inserção deles no
trabalho pastoral como mão de obra especializada. Para aqueles que deixam a fé
também deve ser dado o mesmo tratamento. Se a Igreja não fizer isso estará
falhando como comunidade fraterna. A visão de vocação precisa mudar muito
ainda, precisa ser vista de forma mais humana, terrena, pessoal. Existe
atualmente cerca de 8 mil padres casados no Brasil[5],
cadê eles? Sem contar ex-seminaristas e ex-freiras. A acolhida destes certamente
enriquecerá a Igreja e fará a diferença na vida de cada um deles.
Este
texto trata de um assunto sério e relevante e espera encontrar por parte de
autoridades eclesiásticas, e demais fiéis, o devido respeito e consideração.
[1]
http://noticias.gospelprime.com.br/pastores-e-padres-ateus-sao-encorajados-a-assumir-isso-publicamente/
[2]
http://www.pavablog.com/2012/05/04/meu-nome-e-teresa-fui-pastora-da-igreja-metodista-e-agora-sou-ateia/
[3]
http://clergyproject.org/
[4]
http://www.padrescasados.org/sobre/
[5]
http://www.opovo.com.br/app/opovo/fortaleza/2012/06/29/noticiasjornalfortaleza,2868663/brasil-tem-cerca-de-oito-mil-padres-casados.shtml
5 comentários:
Muito importante e necessário esta inclusão , dos padres casados e ex vocacionados e ex freiras. Teremos até mais qualidade em trabalhos pastorais, devido a qualidades da formação destes excluídos.Tem todo meu apoio.
Muito interessante, concordo plenamente, devemos acolher a todos independentemente de tudo, pois acima de tudo todos somos irmãos, e não é só porque desistimos de seguir a carreira religiosa devemos ser julgados e deixado de lado dentro da igreja.
Eu conheço casos assim, mas sei quem se vê nesta situação tb , se exclui da igreja , pois eles tiveram uma formação muito profunda e de muito conhecimento!!!! mas tem casos que a eles retornam nos trabalhos da igreja como leigos!!! e fazem um trabalho muito bonito!!!! Sinceramente acho que a igreja está de portas aberta pra quem quer trabalhar !!!! Seja bem vindo!!!
Estou de pleno acordo! E acrecento que a inclusão desses egressos não deve ocorrer porque, acima de tudo, somos todos irmãos. Não, pois desse modo seria uma caridade e um projeto dessa dimensão é uma necessidade, uma estratégia de qualificação e crescimento da própria Igreja. Acredito que a Igreja pensa nisso, mas ninguém deu o primeiro passo. O avolumamento das opiniões pode estimular uma tomada de posição dos chefes eclesiásticos.
Já por um prisma teológico, sempre me perguntei: um padre exerce bem o sacerdócio por 20 anos e depois se casa constituindo uma linda família e, depois de 20 anos, morre; qual foi sua vocação? A segunda? Por quê? Deus chama para o sacerdócio sem a obrigação do celibato; caso contrário não estariam perdidos os antigos padres e bispos quando o celibato não era imposto? Não podemos entender a vocação para o matrimônio e para o sacerdócio como excludentes entre si.
Por fim, me lembro que a Igreja tem uma riqueza pouco utilizada que é o primeiro grau da ordem: o diaconato. Enquanto ela não abre mão do celibato, não poderia abrir mão para que o padre casado exercesse o diaconato? Canonicamente ele não pode exercer o presbiterato embora teologicamente ele continue presbítero – “Sacerdos in eternum”. Vale a pena ler um artigo do Padre José Amado Aguirre- Advogado civil, Doutor em Ciências Jurídicas, ex- Juiz de Tribunais eclesiásticos da Arquidiocese de Córdoba.- Argentina: http://padrelucas.com.br/informaximo/artigos/artigo.asp?id=2151 – entre tudo o que expõe gostaria de destacar: “O celibato não é um mandato divino. Mas o casamento é. O celibato, para ser virtude, deve se enraizar na liberdade que não pode ser estratificada em qualquer momento histórico.Encapsular a vocação no celibato sacerdotal, não é legítimo, nem teológica nem juridicamente. O fato histórico, não contínuo, nem fielmente observado, da inseparabilidade do sacerdócio e do celibato não constitui um argumento teológico”. Trad. Para o português de João Tavares
Abraço a todos
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