domingo, 26 de outubro de 2014

Política e Religião

A RELIGIÃO E O PATROCÍNIO DOS SISTEMAS POLÍTICOS

Em todas as eleições nos deparamos com cidadãos que acreditam que determinado partido ou candidato está mais em conformidade com a vontade de Deus do que outros. Nessas eleições, evangélicos preferiram votar em Mariana ou Pastor Everaldo simplesmente por serem da mesma orientação religiosa.
Entre os católicos, os conservadores apostaram em Aécio por causa de sua imagem de pai de família, católico e devoto de Nossa Senhora. Os progressistas votaram em Dilma por causa dos programas sociais. A abertura para discutir o tema do aborto, por exemplo, trouxe muita rejeição para Dilma. A orientação religiosa tem muito peso na hora de votar, independentemente da qualidade do plano de governo.
A questão que levantamos neste artigo é que uma religião patrocinar algum partido ou candidato e incentivar seus seguidores a votar nele é muito arriscado. Se considerarmos os valores cristãos, podemos até dar um palpite sobre qual plano de governo se aproxima mais desse ideal. Mas ainda será uma solução muito arbitrária porque movimentos e grupos cristãos diferentes consideram questões diferentes como prioridade de um governo de orientação cristã.
Outro aspecto que se deve analisar é o desvirtuamento dos planos de governo. Se uma Igreja ou autoridade religiosa aposta todas as fichas no candidato X, exaltando seu plano de governo, e se esse candidato se corrompe, a autoridade religiosa perde muita credibilidade.
Portanto, na democracia nem religião, nem mídia devem patrocinar ideologicamente partidos. O papel da mídia é informar. Se quer se engajar politicamente que cumpra seu papel. O objetivo da religião é orientar moralmente, então, faça isso. Cada instituição deve cumprir o seu papel. Já o engajamento político partidário é função específica dos partidos. É este o princípio da nossa democracia.
O alinhamento entre religião e ideologia política é uma direção muito perigosa. O nome de Deus ainda é uma senha que abre milhões de cérebros para a aceitação de uma ideologia. Temos testemunhos tristes na História. Quando a Igreja se aliou ao Império Romano a partir do século IV só vimos a desmoralização dos cristãos. Mais tarde, o mesmo se deu com os setores conservadores da Igreja que apoiaram as ditaduras na América Latina.
Se cada instituição se contiver em desempenhar o seu papel dentro da sociedade, a democracia ganhará muito com isso. Por outro lado, as ideias defendidas até agora não pretendem engessar a participação política dos cristãos. Aliás, defendemos o contrário, o cristão deve analisar, tomar posição e intervir nos rumos da política. Mas sem essa identificação radical entre Igreja e partido.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Teologia e questões polêmicas

A TEOLOGIA E A CONDIÇÃO DAS PESSOAS HOMOAFETIVAS

Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso” (Mt 6, 36)

  1. Introdução
Considerando o constante embate entre cristãos sobre se a homoafetividade é uma condição pecaminosa ou não, desenvolvi este artigo como contribuição ao debate. Primeiro, iremos levantar os textos bíblicos que falam sobre o assunto. Antes de tudo, é importante lembrar que a moral bíblica, é na verdade, um conjunto de orientações morais, desenvolvidas em tempos e lugares diferentes. Há uma lenta evolução, há ambiguidades, mudanças de opinião, há concordâncias. Acima de tudo, é um processo complexo que exige leitura e análise atentas. São culturas e épocas distintas das nossas. Não somos herdeiros diretos dos antigos judeus. A herança veio até nós através de vários séculos, mediada por gregos e romanos.

  1. A condenação da homoafetividade nos textos legislativos vétero-testamentários
Os textos vétero-testamentários classificam a prática homossexual como abominação. São textos produzidos dentro de um contexto patriarcal, poligâmico (às vezes), que via o sexo como prática exclusiva para a procriação. A distinção entre o 'macho' e a 'fêmea' está explícita no Gênesis e sua função procriadora como parte da vontade divina. É uma ideia-chave para entender a mentalidade condenatória dos homossexuais nesses textos.

Com varão não te deitarás, como se fosse mulher: é abominação” (Lv 18.22). “Quando também um homem se deitar com outro homem como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue é sobre eles” (Lv 20.13).

Os textos afirmaram claramente que os atos homossexuais são condenáveis. Mas se referem exclusivamente à prática masculina. É um cultura androcêntrica. Os pecados são direcionados quase exclusivamente aos homens. O homem não poderia ter relações com alguém que não pudesse procriar. A cultura dos hebreus naquela época entendia o sexo desse modo. Por isso mesmo, que as mulheres estéreis eram criticadas. O texto prevê pena de morte ao homoafetivo. Ainda não vimos os defensores desses textos cumprirem literalmente a Bíblia, porque não matam as pessoas homoafetivas que conhecem. Prova de que admitem que o contexto de hoje é diferente, temos outra compreensão sobre o direito das pessoas. Ou seja, a moral evolui ao longo do tempo.

  1. O posicionamento dos textos neo-testamentários
Em 1 Coríntios 6, 10 há uma condenação:Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o Reino de Deus”. No texto, aparecem duas palavras da língua grega para designar o comportamento em discussão malakos (efeminado) e arsenokoites (homossexual). A prática homossexual é considerada um vício e classificada na mesma categoria do furto, da avareza e da embriaguez. Está tudo misturado. A nossa compreensão hoje não é a mesma. Por exemplo, embriaguez, como um ato isolado, pode ser considerada um vício moral. Mas quem se entrega constantemente, hoje é considerado como um doente. Do mesmo modo, o ato homossexual era visto como algo isolado da personalidade e da constituição psíquica da pessoa. Não se tinha ideia que era algo mais complexo, independente de escolhas.
A Carta aos Romanos também condena a prática:

Trocaram a glória do Deus incorruptível por imagens do homem corruptível, de aves, quadrúpedes e répteis. Por isto Deus os entregou, segundo o desejo de seus corações, à impureza em que eles mesmos desonraram seus corpos..., suas mulheres mudaram as relações naturais por relações contra a natureza; igualmente os homens, deixando a relação natural com a mulher, arderam em desejo uns para com os outros, praticando torpezas homens com homens e recebendo em si mesmos a paga da sua aberração". (Rm 1, 23-27).

Neste texto, a heterossexualidade é considerada pelo autor como natural. As relações homoafetivas seriam relações antinaturais, isso porque, os autores compreendiam o sexo exclusivamente a partir das genitálias e com finalidade procriadora. A compreensão da sexualidade no século I a.C difere enormemente da era contemporânea. Nesse quesito, os textos bíblicos não estão aptos para legislar para os tempos modernos em termos de sexualidade.
Outros textos neo-testamentários. 1 Timóteo 1, 9-10 considera que a prática sodomita é contrária à sã doutrina. E por último, em Judas 1, 7, mostra uma referência indireta a Sodoma e é acompanhada de uma ameaça de fogo eterno.

  1. Ausência nos Evangelhos de um posicionamento de Jesus
Diferentemente das Cartas citadas anteriormente, os Evangelhos não se posicionam sobre a homoafetividade. Jesus se depara com várias pessoas condenadas pela Lei judaica como a mulher adúltera, como o publicano pecador, mas não se depara com um homossexual. Porém, conforme sua cultura Jesus entende o casamento entre um homem e uma mulher, ou seja, monogâmico e heterossexual, em Mateus 19, 3-12.
Quando Jesus inicia seu ministério ocorre uma série de encontro com pessoas marginalizadas, aos poucos ele vai incluindo essas pessoas na sociedade e combatendo o legalismo dos fariseus e dos mestres da Lei. A Torah proíbe várias práticas de natureza sexual e de outros temas que deixavam as pessoas praticantes desses atos à margem da sociedade. Na época de Jesus a obrigação de seguir a Torah para um judeu estava acima da vida e de qualquer bem-estar pessoal.
O pleno cumprimento da Torah proposto por Jesus (Mt 5, 17), apesar de ressaltar que não é uma abolição da Torah, mas, fica claro que o rabino Jesus dá uma nova interpretação à Torah. Em Mateus 5, há uma oposição constante entre o que foi dito (antigos) e o que Jesus diz (novos tempos). A série de mudanças culmina no apelo máximo à misericórdia: “Amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam” (Mt 5, 43-45). Se até aí ninguém não tinha entendido que a mensagem de Jesus era de acolhida e de misericórdia, não há mais dúvidas. Para discordar disso é só se colocando contra Jesus e querendo estar à frente dele. Ou seja, 'um cristianismo apesar de Jesus'.
Jesus toma a opção de incluir os marginalizados, se opondo ao legalismo das autoridades judaicas. Em muitas situações ele se opõe à interpretação tradicional da Lei: A purificação do templo (Jo 2, 13-22), a colheita das espigas (Mt 12, 1-8), a mulher adúltera (Jo 8, 1-11), acolhida dos samaritanos (Jo 4, 1-26).
Mas Jesus tem um discurso de condenação veemente, e sua perspectiva se centra justamente nos grandes pecados em torno da preservação da vida e do bem-estar da pessoa humana (Mt 25, 31-46). O texto do juízo final enfatiza a condenação sobre a negação de direitos fundamentais do ser humano como dar de comer, beber, vestir, hospedar e visitar o próximo em suas necessidades. Portanto, os pecados alistados como condenação máxima são relacionados a necessidades vitais do ser humano.
Em Mateus 10, 5-15, Jesus envia os discípulos a pregarem a proximidade do Reino e a libertarem pessoas e avisa que quem não receber essa mensagem de libertação será tratado com mais rigor do que Sodoma e Gomorra. Se Sodoma é o símbolo do pecado homossexual, Jesus não está muito apressado em condenar aquelas plessoas, antes de tudo, ele profere uma ameaça a quem não recebesse essa mensagem de libertação do ser humano. No versículo 15, ele diz: “Eu digo a verdade: No dia do juízo haverá mais tolerância para Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade.”
Enfim, a Palavra de Deus é para incluir o máximo pela misericórdia e menos condenação. E por que as pessoas homoafetivas teriam de ser condenadas? Se Jesus afirma para não julgar (Mt 7, 1), e para sermos misericordiosos como Deus é (Lc 6, 36), por que temos de usar a Bíblia para condenar e não aprendemos a lição de misericórdia do mestre de Nazaré? Embora, lamentavelmente, muitos cristãos pensam que acolher é ser conivente com qualquer situação moral, isso porque ainda não entenderam a perspectiva de Jesus e se ele aparecesse hoje, esses cristãos lhe dariam uma lição de moral. São legalistas demais, isso, definitivamente é contra o Evangelho.

5. A relativização dos textos bíblicos em termos de moral

Em termos de moral não é possível harmonizar os textos bíblicos. Se alguém no século XXI, seguisse a moral bíblica (entendida como uma unidade) literalmente seria chamado de nazista. Ele teria de discriminar e matar ladrões, homossexuais, adúlteras. Se o princípio da moralidade for exclusivamente a literatura bíblica, teremos problemas. Pois, essa literatura omite sobre muitas práticas como pedofilia, uso de drogas ilícitas. Se alguém interpelar: “Então, se não proíbe isso, logo é permitido.” O cristão dirá: “Mas não é assim!”. Então, ele admite que não podemos levar o texto ao pé da letra, mas separa aquilo que condena para colocar sob a autoridade do texto que concorda com a sua mentalidade. No fim, predomina uma leitura seletiva dos textos. De certa predomina uma leitura seletiva mesmo, porém, ela não pode ser particularista.

6. A desautorização do teólogo que critica a interpretação literal

Um cristão fundamentalista ao ler um artigo como esse terá as seguintes reações: “Olha, quanto besteira”, “Ele não respeita Deus”, “Sabe de nada”. Isso é coerente com a visão que ele tem de mundo. Porque para ele a Bíblia é uma autoridade absoluta, imediata e pronta. Não é necessário conhecimento da cultura, história, geografia, línguas originais para entender a Bíblia. Basta ler que o Espírito Santo dá as respostas prontas. Ele sabe, mas ele ainda não admitiu e percebeu que milênios nos separam da época em que os textos foram escritos. Portanto, se eu não mergulhar na cultura, separar contextos, respeitar a diversidade de gêneros literários, terei apenas um livro de receitas prontas que se chocará com a mentalidade contemporânea. Sem cautela e muito estudo crítico, não se faz um uso sensato da Bíblia. A misercórdia deve ser, portanto, a chave de leitura das Escrituras, e não a condenação.

Considerações finais

A acolhida das pessoas homoafetivas tem sua base no espírito libertador dos Evangelhos. A moral judaica e dos autores das cartas escandalizados pelo modo de viver greco-romano condenam, mas a mensagem de Cristo harmoniza essas perspectivas e nos oferecem elementos humanizadores para acolher a todos sem qualquer distinção. Ou seja, os textos legislativos e de cunhos morais têm de ser interpretados levando em conta a cultura da época em que foram escritos.

REFERÊNCIAS

BÍBLIA ON LINE. Disponível em <https://www.bibliaonline.com.br/>. Acesso em 14.10.2014.

BÍBLIA EM GREGO. Disponível em <http://bibliaemgrego.blogspot.com.br/>. Acesso em 14. 10. 2014.