CHARLIE HEBDO E O DEUS CAÇADOR DE INFIÉIS
O
número do jornal francês Charlie Hebdo de janeiro de 2016 em memória dos
atentados contra os cartunistas do semanário no ano passado traz uma charge
provocativa na capa: O desenho de um deus armado com os dizeres “Um ano depois:
o assassino continua solto”. Esse tipo de humor satírico com a religião provoca
rejeição por parte da comunidade religiosa. Todos se sentem ofendidos. É claro!
Liberdade de expressão tem limites. Criticar o fanatismo religioso deveria ser
diferente de ofender o sentimento religioso das pessoas.
Porém,
proponho uma reflexão sobre esse sentimento de indignação diante da violência
por motivos religiosos. O erro das religiões, principalmente das monoteístas, é
racionalizar, rotular deus demais. É um deus que não ri, não faz humor, porém,
manda fazer guerra, manda extorquir o dízimo do pobre. Que grande contradição! As pessoas dizem que com Deus não se brinca. É
verdade! Mais grave do que brincar é matar, controlar a liberdade, manipular o
conhecimento da realidade, agir desonestamente para tirar o dinheiro das
pessoas.
Temos
de ter cuidado com o zelo religioso. O zelo em excesso vira vício, e nesse caso
da religião, esse vício é o radicalismo. Todos os monoteísmos tiveram ou têm
suas fases e vertentes fundamentalistas. No Brasil, nós nos orgulhamos de não
ter violência religiosa, mas isso não está se mostrando verdadeiro. Algumas
ramificações cristãs de orientação pentecostal têm promovido claramente a
discriminação de religiões afrobrasileiras. Um grande patrocinador do
radicalismo é a ignorância quanto menos se conhece a religião alheia mais
preconceito se tem dela.
Outro
fator que alimenta o fanatismo é uma ideia única de verdade. O fiel se prende
na visão de mundo de sua religião, com as cores de suas lentes pinta a
realidade. Ele julga a cosmovisão alheia, mas nunca a experimentou, nunca
admitiu que o mundo é plural. Creio que o verdadeiro zelo pela religião levaria
o fiel a abrir mão de alguns princípios religiosos para poder praticar o amor
ao próximo e o respeito a Deus. Precisamos desbanalizar o nome de Deus,
tornar-nos menos intérpretes de sua vontade. As religiões têm se mostrado
péssimas intérpretes da vontade de Deus. E nos convencer que o respeito ao
próximo está acima de nossas ideias de estimação.
Se
Charlie Hebdo está certo? Não vou julgar o mérito. Mas que as religiões
deveriam refletir sobre essa situação, deveriam seriamente. Não é legítimo
promover a religião pela violência física e nem pela violência psíquica/social
como fazem as instituições religiosas ocidentais.