segunda-feira, 15 de outubro de 2018

A espada ou o amor: Jesus, um armamentista?


 
Há atualmente uma discussão que pretende utilizar as palavras de Jesus para justificar o armamento da população. A arma de uso pessoal comum no mundo do Novo Testamento é a espada. O termo grego μάχαιρα designa uma “pequena espada” (Mt 10, 34; Mt 26, 51; Mt 26, 52;  Mc 14, 47; Lc 2, 35; Lc 21, 24; Lc 22, 36; Lc 22, 49;Jo 18, 10; Jo18, 11). Ele ocorre 17 vezes nos evangelhos. Outro termo é ῤομφαία que significa “espada longa”. Este ocorre uma vez nos evangelhos em Lc 2, 35.

A – Jesus manda armar-se:

Em duas situações, Jesus tem posturas diferentes sobre a espada:
Lc 22, 26 - Ele lhes disse: “Mas agora, se vocês têm bolsa, levem-na, e também o saco de viagem; e, se não têm espada, vendam a sua capa e comprem uma.”
Mt 26, 52 - Então Jesus disse-lhe: “Embainha a tua espada; porque todos os que lançarem mão da espada, à espada morrerão.”

Por outro lado, o verbo amar (ἀγαπάω/φιλέω) aparece 45 vezes nos quatro evangelhos (Mt 5, 43; Mt 5, 44; Mt 5, 46; Mt 6, 5;  Mt 6, 24; Mt 19, 19; Mt 22, 37; Mt 22, 39; Mt 23, 6;  Mt 22, 37; Mt 22, 39; Mt 23, 6; Mt 24, 12; Mt 12, 30; Mc 12, 31; Mc 12, 33; Mc 12, 38; Lc 6, 27; Lc 6, 32; Lc 6, 35; Lc 7, 42; Lc 10, 27; Lc 11, 42; Lc 11, 43; Lc 16, 13; Lc 20, 46; Jo 5, 42; Jo 8, 42; Jo 10, 17; Jo 13, 34; Jo 13, 35; Jo 14, 15; Jo 14, 21; Jo 14, 23; Jo 14, 31; Jo 15, 9; Jo 15, 10; Jo 15, 12; Jo 15, 13; Jo 15, 17; Jo 15, 19; Jo 17, 26; Jo 21, 15; Jo 21, 16; Jo 21, 17).

B – Jesus manda amar os inimigos:

Mt 5, 44 - Eu, porém, vos digo: “Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem.”
Jo 13, 34 – “Um novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como Eu vos amei; que dessa mesma maneira tenhais amor uns para com os outros.”

Portanto, colocar Jesus a favor ou contra o armamento é uma escolha que cabe à intenção do leitor. As ocorrências sobre armas nos quatro evangelhos são poucas e circunstanciais. Não servem para normatizar, mas o contrário, o amor é um preceito predominante.

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Ética cristã x Política Partidária


A BÍBLIA E A BALA PODEM ANDAR JUNTAS?
Análise de uma candidatura à luz da moral cristã

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Sabemos que o Brasil é um país laico, mas que a maior parte da população ainda resolve os critérios do voto dentro de uma orientação cristã. Falaremos justamente sobre esta relação entre cristianismo e a defesa de candidaturas. O candidato perfeito não existe, evidentemente, mas muita gente mesmo assim defende candidatos úteis para reverter um projeto político em curso ou defender uma bandeira ideológica de interesse de seu grupo como se fosse a única solução: o “salvador da pátria”. As bandeiras parciais são tomadas como bandeiras do país.
Vamos nos concentrar nas contradições das candidaturas. Há cristãos que defendem candidaturas que unem a agenda da Bíblia com a agenda da Bala. Elas representam uma tendência atual em aliar a pauta religiosa com a pauta política. O candidato Bolsonaro e muitos candidatos a deputados se encaixam neste perfil. Temos muitos temas que poderiam ser explorados sobre estas candidaturas, mas vamos nos deter no problema da defesa da moral cristã. Milhares de pessoa evocam esta moral para defenderem que a candidatura de Bolsonaro é a única solução para o Brasil!
Assumir este modelo de candidatura como cristã implica necessariamente admitir uma contradição. A moral cristã tem no mínimo duas dimensões: A moral sexual e a moral social. A moral sexual envolve os valores dos relacionamentos e da família. Dentre esses temas estão o casamento heteronormativo (homem e mulher), a proibição do aborto e da “ideologia de gênero”. Já a moral social diz respeito à igualdade de direitos, incluindo direitos do trabalhador, a inclusão dos pobres e dos excluídos. Neste âmbito, a justiça que combate a corrupção e que pune os bandidos, inclui também a justiça social: a defesa de quem tem menos visibilidade social.
A moral cristã não equivale literalmente à moral de Cristo. Ao longo do tempo, muitas adaptações foram realizadas. Se formos àquela moral dos evangelhos veremos que Jesus condena o adultério (Mt 5, 27-32), valoriza o casamento do homem com a mulher (Mt 19, 4-6), mas conclama também para amar os inimigos, perdoar, praticar a justiça (Mt 5, 21-48) e acolher e incluir o estrangeiro, pobre (o faminto e o sedento), doente e o preso (Mt 25, 31-46). Os valores constituem um sistema harmonizado. Há necessidade de um equilíbrio entre esses dois tipos de moral.
Portanto, assumir que tal candidatura é cristã torna-se falacioso. No mínimo alguém poderá afirmar que ela é parcialmente cristã. Tomar uma parte em detrimento da outra pode ser tendencioso. A defesa de uma dimensão da moral cristã sem a outra soa no mínimo como uma postura seletiva e interesseira. O princípio “Os fins justificam os meios” é incompatível com a moral cristã, isto é, torna-se contraditório utilizar um candidato que despreza a moral social cristã (“meio”) para defender a moral sexual cristã (“fim”). Além disso, os evangelhos enfatizam muito mais a moral social do que a sexual. Mas se considerarmos que Jesus pede para que amemos uns aos outros (Jo 15, 12-17) e que isso inclui até mesmo os inimigos (Mt 5, 44), a contradição de colocar em segundo plano a moral social torna-se mais grave.
 O conceito de “próximo” para Jesus não tem condicionamentos sexuais ou étnicos. A moral cristã envolve necessariamente a defesa dos direitos de homens, de mulheres, de GLBTs, de negros e de índios. A defesa da moral sexual em detrimento da moral social é um posicionamento contraditório. Ignorar os direitos do pobre e do trabalhador para defender unicamente a moral sexual é um pecado grave, falando em terminologia cristã. Enfim, votar na agenda do Bolsonaro é um direito garantido pela democracia. Isso é inegável! Mas justificar este voto através da moral cristã é uma atitude contraditória e muitos cristãos estão ignorando ou subestimando este problema.