A
BÍBLIA E A BALA PODEM ANDAR JUNTAS?
Análise de uma candidatura à luz da
moral cristã
Sabemos que o Brasil é
um país laico, mas que a maior parte da população ainda resolve os critérios do
voto dentro de uma orientação cristã. Falaremos justamente sobre esta relação
entre cristianismo e a defesa de candidaturas. O candidato perfeito não existe,
evidentemente, mas muita gente mesmo assim defende candidatos úteis para
reverter um projeto político em curso ou defender uma bandeira ideológica de
interesse de seu grupo como se fosse a única solução: o “salvador da pátria”.
As bandeiras parciais são tomadas como bandeiras do país.
Vamos nos concentrar
nas contradições das candidaturas. Há cristãos que defendem candidaturas que
unem a agenda da Bíblia com a agenda da Bala. Elas representam uma tendência
atual em aliar a pauta religiosa com a pauta política. O candidato Bolsonaro e
muitos candidatos a deputados se encaixam neste perfil. Temos muitos temas que
poderiam ser explorados sobre estas candidaturas, mas vamos nos deter no
problema da defesa da moral cristã. Milhares de pessoa evocam esta moral para
defenderem que a candidatura de Bolsonaro é a única solução para o Brasil!
Assumir este modelo de
candidatura como cristã implica necessariamente admitir uma contradição. A
moral cristã tem no mínimo duas dimensões: A
moral sexual e a moral social. A moral sexual envolve os valores dos
relacionamentos e da família. Dentre esses temas estão o casamento heteronormativo
(homem e mulher), a proibição do aborto e da “ideologia de gênero”. Já a moral
social diz respeito à igualdade de direitos, incluindo direitos do trabalhador,
a inclusão dos pobres e dos excluídos. Neste âmbito, a justiça que combate a
corrupção e que pune os bandidos, inclui também a justiça social: a defesa de
quem tem menos visibilidade social.
A moral cristã não equivale literalmente à moral de Cristo. Ao longo do tempo, muitas adaptações foram
realizadas. Se formos àquela moral dos evangelhos veremos que Jesus condena o
adultério (Mt 5, 27-32), valoriza o casamento do homem com a mulher (Mt 19,
4-6), mas conclama também para amar os inimigos, perdoar, praticar a justiça
(Mt 5, 21-48) e acolher e incluir o estrangeiro, pobre (o faminto e o sedento),
doente e o preso (Mt 25, 31-46). Os valores constituem um sistema harmonizado. Há
necessidade de um equilíbrio entre esses dois tipos de moral.
Portanto, assumir que
tal candidatura é cristã torna-se falacioso. No mínimo alguém poderá afirmar
que ela é parcialmente cristã. Tomar uma parte em detrimento da outra pode ser
tendencioso. A defesa de uma dimensão da moral cristã sem a outra soa no mínimo
como uma postura seletiva e interesseira. O princípio “Os fins justificam os
meios” é incompatível com a moral cristã, isto é, torna-se contraditório
utilizar um candidato que despreza a moral social cristã (“meio”) para defender
a moral sexual cristã (“fim”). Além disso, os evangelhos enfatizam muito mais a
moral social do que a sexual. Mas se considerarmos que Jesus pede para que
amemos uns aos outros (Jo 15, 12-17) e que isso inclui até mesmo os inimigos
(Mt 5, 44), a contradição de colocar em segundo plano a moral social torna-se
mais grave.
O conceito de “próximo” para Jesus não tem
condicionamentos sexuais ou étnicos. A moral cristã envolve necessariamente a
defesa dos direitos de homens, de mulheres, de GLBTs, de negros e de índios. A
defesa da moral sexual em detrimento da moral social é um posicionamento
contraditório. Ignorar os direitos do pobre e do trabalhador para defender
unicamente a moral sexual é um pecado grave, falando em terminologia cristã.
Enfim, votar na agenda do Bolsonaro é um direito garantido pela democracia.
Isso é inegável! Mas justificar este voto através da moral cristã é uma atitude
contraditória e muitos cristãos estão ignorando ou subestimando este problema.
1 comentários:
Parabéns! Você usou sua dialética com sabedoria.
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