domingo, 13 de outubro de 2019

Protoconservadorismo


O PROTOCONSERVADORISMO: A VERDADEIRA TRADIÇÃO



O Sínodo da Amazônia, dependendo de suas conclusões, será um novo divisor de águas na história da Igreja no Brasil. A polarização política das últimas eleições não havia afetado tanto a relação entre os católicos quanto agora com este evento. Apesar de haver uma acusação de que a CNBB seria de esquerda, porém, como não houve nenhum pronunciamento oficial do órgão, reinou certa neutralidade nas eleições de 2019. Porém, ao longo do primeiro ano de mandato do governo Bolsonaro, os católicos de direita têm encarado as críticas ao projeto governista por parte de alguns setores eclesiais como uma opção pela esquerda. Esta mútua rotulação tende sempre a fragmentar o tecido eclesial. Todo mundo “ladra” e quando se percebe “a caravana já passou”! O prejuízo é para todos. A opção é o diálogo, mas parece que ninguém está a fim de fazê-lo.
A mãe de todos os desentendimentos são as simplificações e as generalizações. Há grupos que querem que a Igreja seja de direita, há grupos que querem que ela seja de esquerda. Há aqueles que simulam uma neutralidade, mas no fundo querem que ela mantenha o status quo. Dentro deste debate corre-se o risco de se esquecer de Cristo e do Evangelho. O Evangelho possui uma dupla dimensão espiritual e social. Neste ponto, se quisessem, ou se as vozes mais críticas tivessem humildade, poderia haver uma síntese enriquecedora. Mas, o que ocorre é que todos dois lados querem sequestrar Cristo a seu bel-prazer!
A agenda direitista católica precisa aprender que o Evangelho inclui, de fato, uma atenção pelos pobres. A agenda esquerdista católica precisa entender que a atuação social da Igreja não pode ser reduzida meramente a um projeto partidário. O Reino de Deus no olhar do Novo Testamento inclui uma transformação psíquica, espiritual e social dos discípulos. Porém, no alto da soberba das novas vozes disputantes, essas pessoas acham que somente o outro lado precisa aprender. Então, começa o xingamento entre direita e esquerda!
Além do reequilíbrio da dupla dimensão do Evangelho, há necessidade de se fazer uma crítica sobre o verdadeiro conservadorismo que deve ser defendido. As vozes mais críticas contra a CNBB, o papa e o Sínodo da Amazônia, geralmente, defendem um conservadorismo de tradições tardias que remontam ao máximo ao período tridentino. Contudo, o conservadorismo que deveria ser reivindicado ninguém o faz: o do protoconservadorismo. Com esta expressão, refiro-me ao retorno às tradições eclesiais das eras apostólica e sub-apostólica. A Igreja Primitiva é o protótipo de toda igreja. Ela era simples, com poucos símbolos, poucas tradições e unia a dupla dimensão do Evangelho. Esta simplicidade que remonta aos apóstolos ninguém está a fim de defender. O secundário tomou o espaço do fundamental. E todos passaram a reivindicar a verdadeira Igreja para o seu lado político. Se fizessem isso com respeito, ainda poderíamos considerá-los, mas estes debates têm decido o nível ao padrão anticristão. E continua a maior de todas as incoerências do cristianismo ou da Igreja: usar violência contra o irmão de fé para defender “Cristo”!


sexta-feira, 4 de outubro de 2019

Repensando a Igreja: De Francisco para Francisco



Hoje é dia de São Francisco de Assis. A identidade que o imaginário católico tem deste santo é a de um católico humilde, pobre e admirador da natureza. Uma figura pacata e inocente! Mas, na verdade, Francisco foi muito mais do que isso. Ele foi um reformador interno da Igreja Católica medieval. Mesmo antes dos reformadores protestantes, ele já tinha alertado a Igreja a recuperar o evangelho como guia de sua prática. Depois de muitos séculos, aparece um papa que retoma o nome e a proposta daquele Francisco medieval.
Quando falamos de cristianismo deveríamos sempre empregar o plural “cristianismos”. As atitudes incompreendidas dos dois franciscos nos alertam para dois tipos de cristianismos conflitantes. Existe um modelo eclesiológico forte, triunfante, que exalta os interesses da instituição acima do carisma evangélico. Este modelo quer dominar a esfera política, a moral, os costumes e diluir qualquer diversidade religiosa. Porém, esta tarefa muitas vezes faz sobrepor o poder ao carisma. Como resultado de sua aplicação, temos mais Igreja, menos evangelho.
Os franciscos parecem representar um modelo eclesiológico fraco, servidor, que põe o carisma evangélico acima das necessidades e dos deveres institucionais. Ele retoma o Cristo sem a camada institucional que a tradição eclesial construiu. Este Cristo “cru”, “nu”, interpela a amar o próximo sem distinção de perfil moral, de credo, de etnia ou de posição política. É um modelo que incomoda a quem vive exaltando a Igreja pela Igreja. Ele é compassivo demais! Os defensores do modelo forte não digerem bem esta abertura ao Cristo nu porque ela é inclusiva e alcança muitos “indesejáveis” da sociedade.
Pensando para além de categorias do enfrentamento do tipo teologia conservadora versus progressista, faz-se necessário apresentar um cristianismo que ponha em equilíbrio poder e carisma. Não faz sentido um cristianismo contra ou apesar do evangelho. Voltemos a ouvir o Cristo dos franciscos! Ou o cristianismo faz isso ou se consolida como um sistema totalitário violento como as demais ideologias da história.