terça-feira, 25 de outubro de 2022

Sobre o Segundo Turno

 SEGUNDO TURNO


Dentro do legítimo processo democrático, o Brasil convoca os cidadãos para mais um exercício e prática de sua cidadania. Assim aconteceu no Primeiro Turno das Eleições, dia 2 de outubro, elegendo os Senadores, Deputados, Governadores, levando para o Segundo Turno, Bolsonaro e Lula. Em 30 de outubro, pelo voto, que deve ser livre e responsável, será eleito o próximo Presidente da República.

Com essas Eleições de Segundo Turno encerramos um período de profundas polarizações, uma verdadeira testagem de força entre o candidato e seus aliados de um lado e de outro. As Eleições do Primeiro Turno transcorreram de forma tranquila, todos indo às urnas, sempre prevendo qual seria o resultado final. Foi confirmação da maturidade cidadã e compromisso com um país melhor.

Agora torcemos pela mesma serenidade do Segundo Turno. Essa serenidade precisa acontecer também no reconhecimento da identidade de quem for eleito. É fundamental saber perder e saber ganhar, sempre com a mente voltada para a prosperidade social e econômica da Nação. O bom cidadão é quem soma forças, mesmo perdendo nas urnas. O país é maior do que os interesses pessoais.

Mesmo com atitudes extremistas, notícias falsas, agressões, “inimizades” políticas, podemos dizer que os momentos eleitorais são excelentes espaços de democracia. Cada cidadão tem liberdade para realizar suas manifestações e sentimentos partidários e torcer pelos seus candidatos. Sinto que as pessoas se deixam levar por força das ideologias, de interesses que estão acima do próprio candidato.

Hoje se fala em direita e esquerda. Essas palavras passaram a ser o que define a ideologia de muitos cidadãos, passando inclusive acima da identidade e do perfil de honestidade de um candidato. Não importa se é bom ou ruim candidato. Importa que ele seja do meu lado, de direita ou de esquerda. É uma realidade que pode ajudar, mas pode também prejudicar uma melhor viabilidade do país.

Enfim, a história do Brasil vai prosseguindo nos rumos que são tomados. Um ditado popular diz que “o povo tem o governo que merece”. Se é fruto do sufrágio popular, certamente o ditado tem um sentido correto, mas é importante cada cidadão agir e votar com total responsabilidade, sabendo que seu voto implica consequências para um país melhor ou não. Que Deus abençoe estas Eleições!

 

Dom Paulo Mendes Peixoto

Arcebispo de Uberaba

Teologia da Libertação não é comunismo

 O QUE É TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO?

 

Uma teologia que precisa ser revisitada, antes de ser refutada

 

A Teologia da Libertação vem sofrendo ataques sistemáticos desde sua origem e, como era de se esperar, nessas eleições, novamente aparecem as difamações dos defensores da Teologia da Libertação. As críticas acabam dividindo os católicos nessa polarização bolsonarista/lulista. No entanto, pouca gente sabe, de fato, o que é a Teologia da Libertação. A equiparação de Teologia da Libertação com comunismo é mais uma desonestidade intelectual em pauta.

Primeiramente, devemos fazer a distinção que o sociólogo Michel Löwy faz. Há a Teologia da Libertação e o Cristianismo de Libertação. O Cristianismo da Libertação é uma confluência de diversas ações pastorais que procuravam enfrentar os desafios sociais e econômicos dos cristãos católicos nos fins de 30 a início de 40. Foram exemplos disso: a Ação Católica, Juventude Universitária Cristã, Juventude Operária Cristã e Comunidades Eclesiais de Base.

A Teologia da Libertação surgiu depois como reflexão espiritual sobre essa prática. Ela recebeu influência desse novo modelo pastoral e como produção de ideias o influenciou. Mas, como o próprio nome diz, Teologia da Libertação é um conjunto de textos. É literatura. Não é um movimento político. Muitos usam o termo de modo inadequado.

São esses os autores que fundamentam os princípios da Teologia da Libertação: Gustavo Gutiérrez (Peru), Rubem Alves, Hugo Assmann, Carlos Mesters, Leonardo e Clodovis Boff, Frei Betto (Brasil), Jon Sobrino, Ignacio Ellacuría (El Salvador), Segundo Galilea, Ronaldo Munoz (Chile), Pablo Richard (Chile-Costa Rica), José Miguez Bonino, Juan Carlos Scanone, Ruben Dri (Argentina), Enrique Dussel (Argentina-México), Juan-Luis Segundo (Uruguai), Samuel Silva Gotay (Porto Rico).

Quais são as ideias mestras da Teologia da Libertação? 1ª - A proposta de que a Igreja deve fazer uma “opção preferencial pelos pobres”. Isso não significa se esquecer dos ricos na comunidade, mas, de olhar primeiro para as necessidades dos pobres. 2ª – A salvação começa com a libertação histórica do ser humano (de suas condições de perda de direitos e de dignidade). 3ª - Não há distinção entre história humana e história divina, entre deveres terrenos e deveres celestiais – ou seja, o Reino de Deus começa acontecer em vida. 4ª – Leitura da Bíblia a partir do modelo de libertação do Êxodo. A partir daí, elenca-se uma série de ações libertadoras na Bíblia. 5ª – Crítica ao capitalismo como idolatria do lucro. A base bíblica dessas ideias é inegável. O profetismo do Antigo Testamento está repleto de críticas ao poder dos reis e com apelo ao cuidado do pobre, do órfão, da viúva e do estrangeiro. Além disso, toda a prática de Jesus é de inclusão das pessoas desamparadas e discriminadas: a mulher adúltera, o cego, o leproso, o ladrão na cruz, os famintos. Assim como ele critica a exploração do comércio.

Quais críticas existem contra a Teologia da Libertação? É preciso entender o contexto. O Cristianismo de Libertação surgiu a partir dos anos 40, ganhando corpo nos anos 60, esse período coincide com as revoluções comunistas. A Igreja temia uma adesão em larga escala ao comunismo. Como a Teologia da Libertação criticava o capitalismo e suas formas de exploração, isso soava para os conservadores como um apoio ao comunismo.

Outro temor era de que fosse um modelo de religião materialista. Houve muitas tentativas de vincular as ideias da Teologia da Libertação ao marxismo. Mas há uma distinção clara. Marxismo é uma teoria/movimento política e econômica. Teologia da Libertação é uma reflexão espiritual e pastoral. Mesmo havendo analogias, nem todos os teólogos da libertação conheciam a fundo as teorias de Karl Marx. A Teología del Pueblo da Argentina, por exemplo, não tem relação nenhuma com o método marxista. Aliás, surge até à parte das demais teologias do continente.

Embora, houvesse analogias de ideias com partidos de inspiração socialista e até a entrada de pessoas do Cristianismo de Libertação na militância política, a Teologia da Libertação é puramente uma reflexão que tem em consideração a situação do pobre na prática pastoral. Portanto, não é um movimento político-partidário.

Como está atualmente a Teologia da Libertação?  As críticas repetidas contra a Teologia da Libertação foram geradas na primeira fase da teologia. O próprio Vaticano reagiu com censura contra vários teólogos. Mas a prática do Cristianismo de Libertação nunca foi impedida. Atualmente, a Teologia da Libertação já se transformou e ampliou a visão de libertação do pobre. A categoria envolve muitas identidades como as mulheres, os negros, os indígenas, os sem tetos, o meio ambiente. É uma defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos. É uma ação primeiramente eclesial, mas ela tem seu alcance até a esfera pública. Os cristãos são simultaneamente membros da Igreja e cidadão do Estado.

A respeito dos excessos, eles existem, como existe em todo movimento. O incômodo com o excesso de materialismo é uma percepção que se deve ao fato de que na Igreja havia um excesso de espiritualismo. A relação Igreja e sociedade passava pela conivência com o status quo. Questionar isso incomoda e até gera conflitos. A prática da caridade proposta pelo Cristianismo da Libertação depende do contato com a política porque não se pensa mais na caridade assistencialista e, sim, de promoção do sujeito. E isso depende de políticas públicas. Em todo movimento, deve se evitar o pensamento único. Tudo é questão de diálogo.

Mas isso não invalida a Teologia da Libertação que sempre foi uma reflexão espiritual, pastoral com base bíblica. Não é possível pensar o cristianismo sem a emancipação das pessoas. Lembre-se de Mt 25, 34-36:

 

Vinde, benditos de meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo; Porque tive fome, e destes-me de comer; tive sede, e destes-me de beber; era estrangeiro, e hospedastes-me; Estava nu, e vestistes-me; adoeci, e visitastes-me; estive na prisão, e foste me ver.

 

Neste texto, altamente soteriológico, acolher as categorias do faminto, do sedento, do estrangeiro, do nu, do doente e do encarcerado é condição para herdar o Reino dos Céus. Isso deve ser central no cristianismo. O problema é que os críticos da Teologia da Libertação não propõem uma alternativa pastoral para isso, apenas reduzem a tarefa da Igreja a ministrar sacramentos. É uma rejeição irresponsável do Cristianismo da Libertação. A Teologia da Libertação precisa ser revisitada, antes de ser refutada de modo generalizado. O abandono do discurso de inclusão pode levar a um esquecimento total do compromisso ético e social do cristianismo.

 

Leitura recomendada:

 

LÖWY, Michel. O que é cristianismo de libertação. São Paulo: Expressão Popular, 2016.