segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Pensamento Urgente

A TEORIA DA EVOLUÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A VIDA

DO HOMEM

Introdução

Em 2009, comemoram-se os duzentos anos do nascimento do cientista inglês Charles Robert Darwin (1809-1882). A sua descoberta revolucionou o pensamento da humanidade. Até o século XIX, a visão da natureza se devia ao conceito de criação descrito pelo Gênesis no século V antes de Cristo. Portanto, as espécies eram fixas e não se transformavam. A explicação passou insuficiente para entender a diversidade demonstrada pelos fósseis e pelos diferentes continentes. As explicações para o surgimento e desenvolvimento das espécies passam a ter várias teorias: Lamarckismo e Darwinismo.

Teoria da Evolução

A primeira explicação para a variação das espécies se deve a Jean-Baptiste Lamarck. Essas variações ocorriam de acordo com o uso ou desuso de certas características. Darwin apostou na seleção natural que ocorreria com as espécies na tentativa de se adaptarem ao meio.

Depois de reuniu muitas provas, Darwin escreveu duas obras notáveis. Em 1859, escreveu A Origem das Espécies que defende que as espécies atuais descenderam de um ancestral comum por meio de seleção natural. Em 1871, foi a vez de A Descendência do Homem, obra que inclui o homem na mesma perspectiva da seleção natural e sexual.

A Teoria da Evolução foi sendo confirmada ao longo de vários anos. As pesquisas de Gregor Johann Mendel (1822-1884) deram um suporte para se entender as transformações genéticas ocorridas nas espécies. Em 1953, James Watson, Francis Crick e Maurice Wilkins formularam a hipótese para explicar a estrutura do DNA. Em 2003, foi concluído o sequenciamento do Genoma humano sob a direção de Francis Collins[1].

Evidências da Evolução

A primeira fonte a atestar a evolução é descoberta de fósseis com características diferentes das espécies atuais. Segundo, observa-se na natureza formas de adaptações dos seres vivos por meio de camuflagem e mimetismo. Através da observação genética percebe-se o processo de mutação e de recombinação que leva ao surgimento de nova espécie. Os ambientes provocam tais modificações.

A evolução humana

A descoberta de Darwin causou maior impacto na sociedade pelo fato de colocar a espécie humana dentro do mesmo processo evolutivo. Antes da teoria, o homem ocupava um lugar privilegiado porque fora criado diretamente por Deus. Hoje, sabe-se que as principais mudanças para o surgimento do homem são: a) Postura bípede; b) Habilidade manual; c) Capacidade craniana; d) Mandíbula de dentes/fala; e) Comportamento grupal.

Há 70 milhões de anos surgiram os primatas. Esses se desenvolveram para os prossímios. Há 24 milhões surgiram os hominídeos Há 8 milhões, ocorreu uma separação entre macacos e hominídeos na África. Várias espécies de hominídeos vão surgindo: 5 milhões: Gênero Australopithecus; 2 milhões: Gênero Homo. Surgimento do Homo habilis. Esse começa a produzir ferramentas e a deixar a vida nas árvores. 1,5 milhão: Espécie Homo erectus.800 mil: H. heidelbergensis. 200 mil: H. sapiens. 200 a 12 mil: H. sapiensis idaltu; H. floresiensis; H. neanderthalensis. Finalmente, há 150 mil, as espécies já dominam a ferramenta, o fogo, a linguagem, a sociedade.

Por que o homem se tornou homem

O antropólogo Richard Wrangham defende que além dessas habilidades citadas acima o ato de comer alimentos cozidos foi decisivo. Portanto, há um conjunto de procedimento que distanciou o homem dos outros hominídeos. Anteriormente, se admitiam o uso de ferramentas e o consumo de carne como decisivos para a transição do homem porque os vegetarianos foram extintos. Mas, os chimpanzés usam ferramentas e comem carne e não se tornaram homens.

Wrangham propõe a conquista do fogo e a cozinha. Com a ingestão de alimentos cozidos aumentou a absorção de nutrientes. Então, a energia gasta no processo de digestão foi transferida para o cérebro. Além disso, diminuiu o esforço da mastigação. Aumentaram os índices de sobrevivência e as mulheres se tornaram mais férteis. A quebra de moléculas de amido e de proteínas reduziu o sistema digestório.

As refeições ao redor do fogo estimularam a socialização, o homem passou a viver em campo aberto e uniu os casais, aumentando a cooperação entre os membros da espécie[2].

ATIVIDADES PROPOSTAS

1. Sintetize lamarckismo e darwninismo.

2. O que significou para a humanidade a revolução operada por Darwin?

3. Uma teoria não se faz com um homem só. Explique a importância das pesquisas de Mendel, Watson e Collins para o fortalecimento da teoria da evolução.

4. Comente as idéias de Richard Wrangham.

5. Pesquise sobre a vida e pesquisas de Mendel, Watson e companheiros e Collins.

6. Compare a visão de um mundo fixista e de mundo evolutivo, apresente vantagens e desvantagens.



[1] http://pt.wikipedia.org.

[2] Veja, 2132, nº 39, 30 set. 2009, p. 84-88.

terça-feira, 17 de novembro de 2009


O PATRIMÔNIO RELIGIOSO AFRO-BRASILEIRO

1. Introdução

Durante muito tempo considerou-se a África um continente sem história. Principalmente por não haver uma predominância de um sistema de escrita. As tradições africanas são essencialmente orais. É neste continente que surgiram os antepassados do homem moderno. Os aspectos levam em consideração em relação à África são sempre negativos: fome, guerras, doença e tragédias.[1]

Os africanos que vieram para o Brasil, além da escravidão, sofreram várias violências culturais. Eles perderam o direito de conservação sua religião, suas tradições sobreviveram em meio à muita resistência. A dificuldade de reconhecer esses valores é tão grande que África está quase ausente na escola. E as igrejas pentecostais têm “demonizado” muitas entidades do Candomblé.


2. Tradições e valores africanos

Os escravos que vieram para o Brasil a partir de uma terra de fortes tradições. A comunidade possui uma atenção privilegiada nas culturas africanas. O axé é a força vital que coloca em contato com os outros seres humanos.

A religião para os africanos envolve todos os lugares. O ancião é valorizado. Os africanos gostam muito de cumprimentar.


A tradição oral é um conjunto de produções culturais, artístico e religioso de um povo. Na África, os valores são transmitidos através da oralidade. A palavra tem poder de construir e de desconstruir. Por isso, não se usa a palavra de qualquer.[2]


A tradição oral é transmitida por meio do mito, do rito e da dança. As religiões africanas são marcadas pela dança; ao norte da África, havia tradição escrita. A família e o ancião são os grandes responsáveis pela transmissão das tradições. E família é entendida em sentido amplo, pais, filhos, tios, sobrinhos.


3. Religiões Africanas

As religiões africanas se dividiram no Brasil em várias ramificações. Os negros ficaram isolados e cada região houve a inculturação de uma forma diferente. A Umbanda e o Candomblé são as que mais se destacam. Na verdade, muitos nomes representam variações do Candomblé. A origem também determina bastante a diferença na religião. Basicamente vieram para o Brasil, sudaneses, bantos, iorubás, mina e fon.[3]

O Candomblé representa a síntese de muitas dessas tradições com influência católica. A Umbanda, por sua vez, representa a síntese de espiritismo e catolicismo popular. A diferença fundamental entre as duas é que a Umbanda pratica a possessão de espíritos. No Candomblé os espíritos que se manifestam são forças da natureza divinizadas.

4. Candomblé

O deus supremo é Olorum. A comunidade-terreiro é o centro da vida religiosa. A iniciação religiosa acontece nesse espaço. Essa iniciação exige o recolhimento de sete dias e observância de rituais e preceitos. Os orixás são os deuses, mas não existe a distinção entre bem e mal. No culto, eles incorporam para fortalecer o axé dos membros da comunidade. O cânticos são feitos em língua africana. O axé é a força vital e se encontra no sangue. E a noção de sangue é ampla, envolve todos os líquidos naturais. Existe o mundo visível (Àiyé) e o mundo invisível (Òrun).[4]

5. Umbanda

Os deuses são agrupados de forma hierárquica, existem espíritos inferiores e espíritos evoluídos. O culto se faz por meio da incorporação dos espíritos. Há iniciação através de batismo. Os cânticos são realizados em português.


6. Considerações sobre a relação entre cristãos e afro-brasileiros

As igrejas cristãs confundiram muitos elementos das religiões afro-brasileiras. É necessário conhecer a teologia dessas religiões para se libertar dos preconceitos. Primeiramente, as categorias cristãs foram atribuídas ao pensamento negro. O Exu é confundido com o demônio. E imagina-se que as oferendas são malefícios. A ideia de feitiçaria era forte no colonizar e houve essas misturas.

As igrejas pentecostais demonizam os orixás, considerando-os manifestação do mal. A Igreja Universal até apropriou indevidamente de algumas entidades: o famoso “encosto”. Os despachos não são feitiços, são apenas oferendas. As religiões não cultuam o demônio e nem fazem malefícios. Tudo é fruto de uma incompreensão.


[1] Revista de Ensino Religioso Diálogo, Ano X, Nº 38, Paulinas, maio, 2005, pp. 9-10.

[2] Ibidem, p. 11.

[3] Ensino Religioso: Matriz Africana, p.9.

[4] Ibidem, p. 26.

domingo, 15 de novembro de 2009

Criação e Evolução

TÓPICOS DE EVOLUÇÃO HUMANA

1. Introdução

Quando estudamos a origem da vida e do homem nos deparamos com um problema. A nossa sociedade foi educada durante muitos séculos com a ideia de criação. Quase todas as religiões possuem um mito de criação. No caso do Ocidente, o mito judaico-cristão é o mais influente. Uma pesquisa feita nos EUA mostrou que 90% da população acreditam em um Deus criador, sendo 45% acreditam que o evento ocorreu exatamente como o Gênesis descreve[1]. A verdade no senso comum é condicionada pelo meio cultural.

No Brasil, muitas escolas ensinam a evolução junto com a criação. Mas o evolucionismo é somente uma teoria entre outras. No fim das aulas de biologia, todo mundo volta para seu mundo criacionista. As evidências científicas são trocadas pela literatura bíblica. As instituições de educação presbiterianas, adventistas e batistas assumem a postura criacionista em sala de aula. Apenas as escolas católicas separam ciência e religião[2].

2. A origem do homem

Algumas observações devem ser feitas antes de tratar do assunto. A criação não é uma teoria, é um mito. Uma teoria é uma hipótese testada. Um mito é um arranjo simbólico que um povo faz para responder uma pergunta fundamental para a vida numa época. As duas visões são frutos de época e de métodos, de propósitos diferentes. É inviável uma comparação. Mas é válido ao tratar da evolução partir do chão cultural dos alunos. E na maioria dos casos é a criação judaico-cristã.

Uma escola séria, enraizada nos valores democráticos do século XXI, não poder negar a teoria da evolução a seus alunos. Nem é ético confrontá-la tomando partido pela criação. Mesmo com o direito de manifestação religiosa que todos têm, porque evolução não é religião e nem criação é ciência.

3. Cosmogonias

Dentro das cosmogonias, pode se perceber a origem da humanidade. O cristianismo, o judaísmo e islamismo têm o mesmo mito de criação como fonte. Nem todas as religiões usam exatamente a noção de “criação” para explicar a origem. Algumas cosmogonias:

a) Cosmogonia brâmane:

A visão bramânica do mundo e sua aplicação à vida estão descritas no livro do Manusmristi (Código de Manu), elaborado entre os anos 200 a.C. e 200 da era cristã, embora também contenha material muito mais antigo. Manu é o pai original da espécie humana. O livro trata inicialmente da criação do mundo e da ordem dos brâmanes; depois, do governo e de seus deveres, das leis, das castas, dos atos de expiação e, finalmente, da reencarnação e da redenção. Segundo as leis de Manu, os brâmanes são senhores de tudo que existe no mundo.[3]

b) Cosmogonia iorubá:

Na mitologia de Iorubá, o processo de criação envolve várias divindades. Uma das versões dessa mitologia diz que Olorum – Senhor Deus Universal – criou primeiramente todos os Orixás (divindades) para habitar Orun (o Céu, mundo espiritual), com o objetivo de usá-los como auxiliares para executar todas as tarefas que estariam relacionadas com a própria criação e o posterior governo do mundo. Então, Olorum encarregou Obatalá de criar o mundo; mas este, com pressa, não rendeu a Bará os tributos devidos e, durante sua caminhada, parou para beber vinho de palmeira e, embriagando-se, adormeceu. Oduduá, a Divina Senhora, foi ao encontro de Obatalá e, ao vê-lo adormecido, pegou os elementos da criação e começou a formação física da terra. Ela mandou que cinco galinhas d’angola começassem a ciscar a terra, espalhando-a, dando assim origem aos continentes. Oduduá soltou então os pombos brancos - símbolo de Oxalá – e assim nasceram os céus. De um camaleão fez surgir o fogo e, com caracóis, ela criou o mar.[4]

c) Cosmogonia tupi:

A cosmogonia Tupi afirma que o homem é o som que ficou em pé. Tupã, o Grande Som, cria o tupi pelo som, e o som toma forma humana. O que sustenta o homem em pé é a flauta criada por Tupã, e que produz os sete sons, sendo que o último é o silêncio. Os guaranis também harmonizam a energia vital através dos sons vocálicos.[5]

O budismo não explicitamente um mito de criação. O espiritismo tende a acompanhar a ciência. Em todos os casos apresentados, um deus dá origem ao homem. E tudo acontece num tempo remoto e inacessível, mas que, contraditoriamente, é conhecido pela tradição. Portanto, a segurança está numa tradição oral ou escrita, antiga e sem uma testemunha palpável.

As cosmogonias representam um tipo de conhecimento totalmente diverso da ciência. Não pode ser ensinado e confiado com status de teoria científica. Existe a Teoria do Design Inteligente que tenta concilia ciência e religião, mesmo assim, não é solução legítima para o problema da antropogênese.

4. A evolução humana

As principais mudanças para o surgimento do homem são: a) Postura bípede; b) Habilidade manual; c) Capacidade craniana; d) Mandíbula de dentes/fala; e) Comportamento grupal.

O antropólogo Richard Wrangham defende que além dessas habilidades o ato de comer alimentos cozidos foi decisivo. Portanto, há um conjunto de procedimento que distanciou o homem do outros hominídeos.[6]

A linha de tempo da evolução humana:

70 milhões: Surgem os primatas.

24 milhões: Surgem os hominídeos.

8 milhões: Separação entre macacos e hominídeos na África.

5 milhões: Gênero Australopithecus.

2. milhões: Gênero Homo. Surgimento do Homo habilis. Ferramentas.

1,5 milhão: Espécie Homo erectus.

800 mil: H. heidelbergensis.

200 mil: H. sapiens.

200 a 12 mil: H. sapiensis idaltu; H. floresiensis; H. neanderthalensis.

150 mil: Ferramenta, fogo, linguagem, sociedade.

5. Considerações filosóficas

A seguir, a apresentação de duas considerações sobre a verdade. Existem muitas repostas para um mesmo problema. Mas com a soma de esforços e transformações culturais as explicações vão evoluindo. As respostas atuais merecem mais atenção do que as respostas mais antigas. Não que a contemporaneidade de uma teoria seja critério de verdade. A avaliação deve se fundamentar nas evidências.

É necessário das respostas sincrônicas para as questões, ou seja, responder questões do século XXI pelo conhecimento do século, e não se pretender a um passado que não diz respeito ao presente. Os criacionistas têm uma resposta anacrônica aos problemas do mundo.[7] A verdade é um processo, não pode estagnar.



[2] Revista Veja, edição 2099, 11 fev. 2009, pp. 84-87.

[4] Ibidem.

[7] Aqui foi usado: Sincrônico com o sentido de “respostas atualizada” e anacrônico “resposta defasada”.

domingo, 1 de novembro de 2009

Indígenas da Zona da Mata



LÍNGUA PURI: APRESENTAÇÃO E TENTATIVA DE RECONSTRUÇÃO

APRESENTAÇÃO

Definição

A Língua puri é uma língua extinta, pertencente ao tronco Macro-jê, falada pelos puris, um grupo indígena homônimo que habitava no século XIX os estados brasileiros do Espírito Santo, Rio de Janeiro e Sudeste de Minas Gerais.

Classificação linguística

O Puri juntamente com o coroado e Koropó compõem uma família homônima, integrando as línguas do tronco Macro-Jê.

Distribuição territorial

A língua puri era falada nos vales do Itabapoana, médio Paraíba do Sul e nas serras da Mantiqueira e das Frecheiras, entre os rios Pomba e Muriaé. Dividia-se em três sub-grupos: sabonan, uambori e xamixuna. A sua extinção se deu no século XVIII.

Problema de documentação da língua

A principal fonte de documentação do puri encontra-se atualmente perdida. Diz-se de um catecismo bilíngue elaborado pelo padre Francisco das Chagas Lima (1757-1832) que catequizou esses índios quando foi pároco de Queluz, na divisa entre os estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Tem-se a notícia de tal documentação através de seu sucessor padre Manuel Eufrazio de Oliveira. Este mencionou a existência do catecismo puri e o teria enviando ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Portanto, o conhecimento dessa língua ficou prejudicado pela falta de documentação. Restam apenas algumas listas de palavras.

Vocabulário da língua puri

Em 1885, o engenheiro Alberto de Noronha Torrezão ouviu dois remanescentes dos puris, Manoel José Pereira e Antônio Francisco Pereira, e anotou algumas palavras da língua, uma amostra escassa, mas valiosa dessa língua desconhecida: Em 1889, foi publicado o Vocabulário Puri, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. As palavras colhidas por esse engenheiro em Abre Campo é um dos poucos registros de como os puris falavam. Karl Friedrich Philipp von Martius e Wilhelm Ludwig von Eschwege coletaram palavras de línguas da família puri. Uma das listas é do próprio puri.

GRAMÁTICA E VOCABULÁRIO

Vogais

A, a, e, é, i, i, o, ó, u, u.

Consoantes

B, č, dz, dž, s, š, g, k, m, mb, n, ñ, p, ph, r, th, y.

ESTRUTURA FRASAL

acenda o fogo - poté kandú. água está fervendo - muñãmá pretón. cala a boca - kandló. eu fui-me embora - Á mamun. eu moro aqui - Á leká. fogo apagou - poté ndran. o tempo está ruim - opueráxka. quebro-te a cabeça com um pau - gué Á mopó. quero beber cachaça - Á Kanjana muiá. vá-se embora - má ndom. vou-me embora - Á ndómo.

RECONSTITUINDO FRASES

Bom dia: Xuté opé.

Boa tarde: Xuté toxá.

Boa noite: Xuté miripón.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

NETO, Ambrósio Pereira da. Revisão da classificação da família linguística puri. Brasília, 2007.

TORREZÃO, Alberto de Noronha. Vocabulário puri. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,tomo LII, parte II, Rio de Janeiro, 1889, p. 511-3.

sábado, 31 de outubro de 2009

I Conferência Municipal de Cultura

CULTURA, CIDADE E CIDADANIA[1]

José Aristides da Silva Gamito[2]

Resumo

Este artigo pretende discutir a importância de um espaço cultural nas cidades de pequeno porte com a finalidade de revitalizar a identidade e as manifestações culturais locais e promover a inclusão social para pessoas carentes e de áreas vulneráveis à ociosidade e à criminalidade. A educação associada à promoção da cultura contribui para a prática da cidadania fazendo com que a cidade progrida econômica e socialmente.

Palavras-chave: Cultura, cidade, cidadania, memória, inclusão.

1. Introdução

A discussão sobre a correlação entre cultura e cidadania nas cidades de pequeno porte veio em boa hora. Atravessamos uma época marcada por oportunidades de crescimento, mas ao mesmo tempo desafios aparentemente insolúveis de ordem social. Somente através da abertura de espaços para a valorização da cultura associados à educação e à inclusão social podemos vencer muitos problemas sociais como a pobreza, a criminalidade e o uso de drogas ilícitas. Essas questões que só assolavam as cidades grandes atualmente são desafios em qualquer aglomeração urbana. A cidade possui o seu encanto e seus desafios. As transformações sociais que não levam em conta a identidade e os valores de uma comunidade levam as novas gerações a uma incapacidade de viver a nova liberdade e os novos instrumentos postos à sua disposição.

2. A cultura e sua dinamicidade

A cultura diferencia o homo sapiens dos demais animais. Enquanto as outras espécies são guiadas pelos seus instintos e dependentes exclusivamente da natureza imediata, o homem trabalha a natureza e constrói a cultura. Um processo facilitado pela possibilidade da comunicação oral e a capacidade de fabricação de instrumentos (LARAIA, 1996, p. 29). É neste sentido que os antigos gregos entendiam o termo ethos: É ao mesmo tempo a morada e os costumes de um povo. Os costumes e os valores estão contidos naquilo que os gregos chamavam de ética. É justamente o cuidado com a identidade e a memória da comunidade que culmina na política, isto é, na prática da cidadania.

Segundo Edward Tylor “cultura é todo o complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (LARAIA, 1996, p.25). Em síntese, é toda a atividade humana adquirida e não transmitida por mecanismos biológicos. A cultura nasce da necessidade de se adaptar ao meio, somando experiência para que as gerações futuras não tenham que começar do zero. Todas as pessoas nascem numa determinada cultura. Por mais que alguém como sujeito produza também cultura, será sempre dentro do seu horizonte cultural de origem.

A propósito o termo latino cultura provém do verbo colo com os sentidos de “cultivar, morar, cuidar, enfeitar, praticar, respeitar”. Considerando essa base etimológica percebemos dentro do conceito de cultura a noção de identidade, pertença a uma comunidade, preservação dos valores, a dimensão artística e a produção de bens culturais. A cultura possui uma dimensão simbólica e outra prática, tátil. O senso comum reduz cultura a manifestações artísticas.

A desigualdade social manifesta-se então na divisão entre cultura erudita e cultura popular, a primeira utilizada como aparato de diferenciação de uma elite e a outra definida como manifestação espontânea e inferior. Daí o sentido consolidado de cultura como sinônimo de uma posição intelectualmente elevada, em geral ocupada por aqueles de posição também economicamente superior (SILVA, 2009).

A cultura, segundo o antropólogo estadunidense Leslie White, surgiu “quando o cérebro do homem foi capaz de gerar símbolos” (LARAIA, 1996, p. 56). Assim as comunidades humanas se adaptaram a seus embasamentos biológicos. A adaptação tem como finalidade a sobrevivência.

A cultura oferece às novas gerações a “lente” para ver o mundo. Cada sistema cultural produz valores, convicções, quando comparados são até mesmo antagônicos. Se não houver um conhecimento ético e antropológico o encontro entre os sistemas resultará em choque. A história está repleta de exemplos: Cruzadas, genocídios, escravidão, etnocentrismo europeu. A força da cultura é tão grande que chega a interferir no plano biológico.

“Entre os índios Kaapor, grupo Tupi do Maranhão, acredita-se que se uma pessoa vê um fantasma ela logo morrerá. O principal protagonista de um filme, realizado em 1953 por Darcy Ribeiro e Hains Forthmann, ao regressar de uma caçada contou ter visto a alma de seu falecido pai perambulando pela floresta. O índio deitou em uma rede e dois dias depois estava morto” (LARAIA, 1996, p. 78).

O exemplo demonstrado é um dentre tanto outros apresentado por Laraia. Em um sistema cultural onde se crê em entidades imaginárias, fenômeno naturalmente não comprovado, os fatos passam a ser realidade na vida de quem pertence àquela comunidade. A cultura possui uma lógica interna própria. Os valores fundamentais de um grupo podem ser relativos comparados aos presentes em outras culturas. O homem leva tanto a sério sua cultura que chega até superar seu instinto de conservação. Exemplos típicos são kamikazes e homens-bomba. Além disso, a cultura é dinâmica, transforma-se com o tempo. É dentro dessa expansão da cultura que nasce a cidade.

3. A urbanização e as práticas culturais modernas

Há aproximadamente 12 mil anos surgiram as primeiras vilas no período neolítico graças ao domínio da agricultura e à domesticação de animais para a pecuária. Para a fundação desses aglomerados humanos permanentes foram necessários avanços tecnológicos, organização social e um local adequado para instalação (WIKIPÉDIA, 1). Ao poucos as primeiras vilas deixaram de ser assentamentos para serem um modo de vida. Na Grécia antiga, a cidade se desenvolve culturalmente chegando às noções de polis (Estado) e à politiké (arte de se viver na cidade), base para o conceito de cidadania. A urbanização intensa e transformadora dos hábitos de vida veio a acontecer na era moderna.

É interessante notar que o vocábulo “cidade” também sofreu transformações: deixou de significar apenas um lugar fisicamente delimitado onde as pessoas vivem juntas e passou a ser entendido como “comunidade”, isto é, como vida política que se dá a partir de uma certa experiência de exercício de poder socialmente organizada (SILVA, 2009, p.1).

A partir do século XVIII, a Revolução Industrial contribui para uma mudança drástica nas cidades. O Brasil participou desse processo a partir do século seguinte com o desenvolvimento da cidade de São Paulo.

As principais cidades, a partir da segunda metade do século XIX, passaram a receber uma enorme quantidade de melhorias técnicas, desde a implantação de sistema hidráulico, de iluminação, de transporte coletivos com tração animal e redes de esgoto até planos urbanísticos de logradouros públicos, praças e vias arborizadas (WIKIPÉDIA, 2)

A partir da década de 40 começou um progressivo êxodo rural. As fábricas agilizaram a produção, as invenções facilitaram o cotidiano. A cidade ganhou uma dimensão estética: A beleza da iluminação, as possibilidades de se viver a liberdade, o entretenimento, o contato com a diversidade. O desafio que veio junto com essa revolução cultural foi inadequação desses ambientes a seus novos valores: Falta de planejamento por parte do Estado e a marginalidade associada à criminalidade. As cidades possibilitaram o encontro entre culturas, deram suporte para a sofisticação dos bens culturais e simultaneamente provocaram choque de valores.

4. O direito de acesso aos bens culturais

Com a evolução da vida social e econômico, o patrimônio cultural acumulado ao longo da história tornou-se ameaçado de destruição. As duas guerras mundiais e diversas transformações das cidades destruíram muitas tradições e monumentos. No século XX, gradativamente foi surgindo uma consciência expressa em lei que reconhece em pé de igualmente o patrimônio natural e cultural como parte integrante da vida de uma sociedade. É importante distinguir aqui os patrimônios imaterial (costumes, tradições) e material (construções, obras de arte).

Em 1972, a Unesco aprovou a Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. O texto decide como responsabilidade do Estado delimitar os seus bens culturais, assegurando a proteção, conservação, valorização e transmissão às gerações futuras (UNESCO, 1972). Nas cidades pequenas os efeitos dessa convenção demoram mais a chegar por causa da menor visibilidade de seus bens, mas se a população local não se ativer a essa necessidade sua memória e identidade vão sendo esquecidas.

Outro documento importante que reforça essa consciência da proteção à cultura é a Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular, de 1989. Inicialmente o texto define o que se entende por cultura popular:

A cultura tradicional e popular é o conjunto de criações que emanam de uma comunidade cultural fundadas na tradição, expressas por um grupo ou por indivíduos e que reconhecidamente respondem à expectativas da comunidade enquanto expressão de sua identidade cultural e social; as normas e os valores se transmitem oralmente, por imitação ou de outras maneiras. Suas formas compreendem, entre outras, a língua, a literatura, a música, a dança, os jogos, a mitologia, os rituais, os costumes, o artesanato, a arquitetura e outras artes (UNESCO, 1989).

Depois de definir cultura popular, a Recomendação orienta o Estado a identificar, classificar, registrar, conservar e difundir as tradições regionais. Neste sentido de difusão, tais tradições deveriam ser componente curricular nas escolas, para que antes do conhecimento de culturas em âmbito nacional e mundial, os educandos conheçam suas raízes.

Referente à cultura, temos um conjunto de princípios internacionalmente reconhecidos que nos dão suporte para fundamentar o direito à cultura. Esses princípios partem de uma tradição fundada pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). Juntamente com a garantia dos direitos vitais como alimentação, saúde, moradia, uma sociedade democrática não pode esquecer que todo cidadão tem direito a assumir sua identidade, manifestar suas tradições, participar da vida cultural de sua comunidade, assim como ter protegida a sua produção artística.

5. Cultura e cidadania: Uma parceria indispensável

A civilização greco-romana atribuiu uma conotação notável à palavra “cidade”. Se inicialmente as cidades eram agrupamentos para facilitar a sobrevivência pela cooperação mútua, com o desenvolvimento da civilização elas se tornaram espaço de debates, troca de experiência, de estabelecimento de princípios éticos e políticos. As classes sociais dividem o mesmo espaço.

A proposta de valorização da cultura popular no espaço das cidades vem para combater uma segregação entre cultura erudita e popular. As pequenas cidades muitas vezes acostumadas a receber somente bens culturais passado pela mídia carecem de uma valorização de seus próprios valores. Principalmente quando nas áreas urbanas predomina o “neo-coronelismo”. O poder público atende apenas os direitos vitais e irrecusáveis porque dão voto e se esquece de políticas voltadas para a cultura. Há ausência de criatividade, somente a manutenção do sistema.

As ações culturais têm encontrado nos projetos de ONGs junto a comunidades carentes um vínculo essencial à cidadania. As experiências nacionalmente conhecidas como as do Olodum[3], do Grupo Cultural AfroReggae[4] e da CUFA (Central Única das Favelas) demonstram a transformação social operadas através da arte. A associação entre cultura e cidadania não pode cair no erro de instrumentalizar a arte como meio de disciplinar as pessoas infratoras. A cultura em si já direciona a arte para a cidadania.

O direito à cultura pressupõe o gozo dos direitos civis, que têm a ver com a manifestação livre do pensamento, com o direito de ir e vir, e, portanto, de acesso livre aos diferentes territórios da cidade. Esse, por sua vez, pressupõe o direito à vida digna e à inclusão na cidade. Já o direito à participação política se beneficia e se completa com o direito à educação e à informação (ANDRADE, 2009, p.2).

Quando o cidadão encontra um espaço que lhe proporciona informação, manifestação livre do pensamento, ele encontra também a porta dos outros direitos. A cidadania é a manifestação mais cuidadosa e engajada da cultura. Significa tomar as rédeas do processo cultural, administrando o patrimônio de uma comunidade, discutindo e participando das responsabilidades.

6. Proposta de um espaço para a cultura e sua relevância social

A cidade de Conceição de Ipanema é carente de um espaço visível para conservação da memória e da valorização da cultura regional. O povoado fundado em 1850 por Francisco Inácio Fernandes Leão devido à sua situação geográfica foi palco de ricas experiências culturais, sociais e políticas como a disputa de divisas entre Minas e Espírito Santo, a diversidade trazida pelos imigrantes alemães, além de integrar em 1896 a República do Manhuassu liderada pelo coronel Serafim Tibúrcio e apoiado pelo coronel João do Calhau (SANTOS, 2007, pp. 32-48).

A partir de motivações históricas e atuais a cultura merece encontrar um espaço em Conceição de Ipanema. A cidade em questão se encontra numa situação típica dos pequenos municípios. É necessário construir coletivamente um projeto que contemple a cultura local, mas que a associe à educação e à cidadania. Alguns passos necessários:

As instâncias promotoras de cultura se resumem às escolas, às igrejas e à rádio. No desempenho desses papéis as três têm pouca visibilidade. O ponto de partida é conscientizar-se e valorizar o que já tem. A Secretaria de Educação se comporta em si também a dimensão cultural deveria realizar o inventário do patrimônio cultural, em seguida, efetuar uma pesquisa sócio-econômica para identificar pessoas carentes de projetos sociais. O próximo passo seria elaborar um projeto para captar pessoal e instituir um Centro Municipal de Cultura Popular. Essa instituição iria cadastrar todos os artistas, historiadores e pensadores. Em seguida, iria promover eventos culturais e panfletagem para sensibilização dos cidadãos.

Depois disso seria inscrever jovens de 12 a 21 anos interessados em oficinas de artes. O Centro Cultural promoveria uma capacitação desse pessoal, que passaria a ser um grupo que teria um calendário anual de eventos que envolvessem a comunidade. Os jovens e as suas respectivas famílias através de artesanato e ofícios ligados teriam uma geração de renda administrado por um sistema cooperativo. Além disso, as pessoas de faixa etária acima de 21 seriam chamadas ao voluntário, possibilitando o encontro dos saberes de gerações diferentes.

O Centro Cultural teria como função pesquisar, registrar, conservar, capacitar e exercer atividades culturais como música, teatro, dança, pintura, artesanato. Essas atividades na vida dos adolescentes trariam harmonia, produtividade, capacidade de reflexão e finalmente profissionalização. As oficinas multidisciplinares ajudariam a descobrir vocações.

O Centro seria um parceiro da escola, pois promoveria alfabetização de adultos, cursinho pré-vestibular e outros necessários para o mercado de trabalho. A pedagogia da instituição é conciliar cultura e cidadania. Alguns serviços que faltam como o registro da história, a recuperação das tradições e língua por parte dos imigrantes alemães, a preservação da cultura rural, o uso dirigido das novas tecnologias como a internet. A escola sentiria os efeitos de tal mudança e a sociedade teria um retorno positivo para as próximas gerações.

Considerações finais

Ao relacionar cultura, cidade e cidadania aparecem-nos muitos valores e desafios. A tarefa fundamental da sociedade moderna é transforma as cidades em oportunidade de crescimento solidário e não palco para a criminalidade. A associação entre cultura e cidadania tem auxiliado muitas comunidades brasileiras a combaterem a marginalidade e a garantirem a efetivação dos direitos humanos. A cidade surge para somar benefícios e não gerar uma guerra sem “tropas” definidas. A ausência do Estado e da educação poderá transformar a cidade na luta de todos contra todos, isto é, um grande desserviço às conquistas da civilização moderna.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Luciana Teixeira de Andrade. Cultura, cidade e cidadania. Belo Horizonte: II Conferência Municipal de Cultura, 2009.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996.

SANTOS, Flávio Mateus dos. O poder local em Minas Gerais (1877-1896) e a inusitada experiência da República Manhuassu (10/05/1896 – 03/06/1896). Caminhos da história. Revista discente do programa de mestrado em História social. Vassouras: Universidade Severino Sombra, ano 3, volume 3, 2007.

SILVA, Franklin Leopoldo e. Cultura e cidadania. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2009.

UNESCO. Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural. Paris: Conferência Geral da Unesco, 1972.

UNESCO. Recomendação sobre a salvaguarda da cultura tradicional e popular. Paris: 25ª Conferência Geral da Unesco, 1989.

Sites

WIKIPÉDIA 1. História das cidades. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/História_das_cidades. Acesso em 28/10/09.

WIKIPÉDIA 2. Urbanização. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Urbanização. Acesso em 28/10/09.



[1] Palestra apresentada na Conferência Municipal de Cultura, na Escola Municipal Professora Neuza Nantes, dia 30 de outubro de 2009, Conceição de Ipanema, MG.

[2] Licenciado em Filosofia pelo Instituto Teológico e Filosófico de Caratinga, Seminário Diocesano Nossa Senhora do Rosário, bacharelando em Filosofia pela Faculdade João Calvino e pós-graduando em Docência do Ensino Básico e do Ensino Universitário pela Faculdade de Tecnologia Darwin.

[3] ONG de Salvador surgida em 1979.

[4] O AfroReggae é uma ONG criada em 1993 no Rio, na comunidade Vigário Geral desenvolve 65 projetos sociais.