terça-feira, 13 de novembro de 2012

Filosofia da Religião: Ecos sobre tolerância



 PRECONCEITO RELIGIOSO: ONDE TUDO COMEÇA?

José Aristides da Silva Gamito

Sempre é tempo de reflexão. Esses dias circulam na internet reações à atitude de um grupo de 13 estudantes evangélicos de uma escola estadual que negou a fazer um trabalho sobre cultura afro-brasileira. A notícia gerou muita polêmica. A rejeição da cultura e das religiões afro-brasileiras é comum no meio cristão. O desconhecimento gera o preconceito, o preconceito gera a intolerância, a intolerância gera a violência. E muitas vezes esta violência veio em forma de guerra! Veja a expressão “guerra religiosa”, “guerra santa”. São expressões sem sentido! Mas já fizeram e fazem guerras por motivos religiosos.
Onde tudo começa? Sempre pelo preconceito.  Antes de convivermos com uma nova realidade temos pré-conceitos e generalizações. Este é conhecimento de primeira impressão: “Acho que é assim”.  Isso é um mecanismo de contato, mas só faz parte de um processo inicial. Já o preconceito como forma de conhecimento e de identificação permanente de alguém ou de grupos com os quais temos de conviver é pura ignorância e estagnação intelectual.
O preconceito religioso advém da identificação das religiões por premissas erradas e absolutizadas, tais como "todos os macumbeiros adoram o diabo", "todos os católicos adoram imagens", "todo pastor é ladrão", "todo muçulmano é terrorista". Quando você só tem uma frase para identificar a complexidade de uma classe, você se fecha ao verdadeiro conhecimento e sai discriminando.
No caso das religiões afro-brasileiras a origem do preconceito está na satanização dessas religiões. Muitos cristãos creem e difundem que os adeptos dessas religiões adoram o diabo. O próprio vocabulário difundido sobre essas religiões já demonstra o desconhecimento que as pessoas têm. Elas confundem Exu com Diabo, despacho com feitiço, macumba com as diversas religiões de origem africana. É um reducionismo da diversidade religiosa africana.
Esses cristãos tentam pensar essas religiões a partir de categorias cristãs. É claro, são as lentes que possuem! Mas sempre vale a pena a dar um passo a mais. Quem estuda com abertura de mentalidade terá menos preconceito e respeitará mais o próximo.
Amar e respeitar o próximo depende de empatia. Empatia que dizer colocar-se no lugar do outro. Isso quer dizer que a discriminação dói e desumaniza. A discriminação religiosa é a mais contraditória de todas! Lembre-se da velha máxima “Não façais aos outros aquilo que vós não quereis que vos façam”.

domingo, 11 de novembro de 2012

O dever de incluir


PROCESSO DE REINSERÇÃO: ONDE ESTÃO OS EX-MINISTROS E OS EX-ASPIRANTES A MINISTÉRIOS
 NA IGREJA?

José Aristides da Silva Gamito

Introdução

Ultimamente vem sendo divulgado na mídia que Richard Dawkins, biólogo e militante do ateísmo, criou o Projeto Clero (The Clergy Project)[1] que é mantido por sua fundação com a finalidade de apoiar clérigos que deixam o ministério e não encontram mais acolhida e compreensão em suas comunidades religiosas. Fiquei pensando: Por que um ateu teria de fazer isso? Não seria a própria fraternidade cristã?
O apoio de Dawkins, é claro, tem o propósito de incentivar o ateísmo, mas por outro lado representa a emergência de um serviço necessário: Apoiar os egressos da Igreja ou das Igrejas. Normalmente, os padres e os pastores que deixam o ministério não são compreendidos por seus familiares e muitos são rejeitados pelos amigos e por suas comunidades.
Esses homens e mulheres recebem um estigma como se fossem anátemas. A situação piora se ao deixa o ministério, o clérigo deixa também a fé que professara até aquela ocasião. As Igrejas se pautam sobre os princípios da fraternidade, mas têm dificuldade em acolher o “diferente”, o “não desejado”. É, na prática, uma fraternidade condicional.
Muitas vezes, os fiéis compreendem a vocação como um fato definitivo e não como um processo. Segundo esta visão, os vocacionados são obrigados a seguir uma opção única como se fossem predestinados e impedidos de retroceder. Descobrir a ausência de vocação é encarado como ‘traição a Deus’. Percebe-se nesta perspectiva a radicalidade do seguimento: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9, 62). Porém, uma radicalidade aplicada à situação equivocada.



A Fundação Clero

A fundação de Richard Dawkins desperta uma discussão relevante sobre como as Igrejas acolhem seus clérigos egressos.  O projeto surgiu pensando em milhares de clérigos que já não mais acreditam no que fazem, mas não deixam o ministério porque temem a rejeição, não têm opção de emprego ou estão desatualizados demais para enfrentar o mercado de trabalho. Recomeçar é desafiante para essas pessoas.
Muitos fiéis veem esta situação com ingenuidade ou ignorância e consideram um problema de fácil solução. Mas para a maioria dos envolvidos tudo soa como um drama existencial.
A fundação tem o exemplo da pastora metodista Teresa MacBain[2], que deixou de acreditar em seu ministério, mas teve dificuldade em renunciar, mas o fez graças ao apoio do Projeto Clero, que em sua comunidade online[3], já possui mais de 200 membros.

A situação dos egressos no Brasil

No Brasil, já existe um movimento organizado dos padres casados. São padres que deixaram o ministério, continuam tendo fé, mas não encontram mais espaço na Igreja. Exemplo disso é a Associação Rumos[4]. A Associação existe desde 1986 e representa mais de 5 mil padres casados e suas famílias.
Esta classe assim como os ex-seminaristas, as ex-freiras, são alvo de uma desconfiança por parte dos fiéis ou mesmo por parte da instituição e não conseguem recuperar seu espaço dentro da Igreja. No fundo, são vistos de um modo raso como “traidores da vocação”.
A Igreja perde muito com esta dificuldade de inserção dos ex-ministros e ex-aspirantes a ministérios, pois eles têm boa formação teológica, experiência de liderança. Não são aproveitados na Igreja. Aliás, a Igreja é talvez a única instituição a não aproveitar o retorno de seus investimentos quando se trata de qualificação de pessoas. Todo o investimento feito através dos seminários fica anulado por uma incompreendida desconfiança.

A hospitalidade cristã e a vida dos egressos

Os egressos sofrem com o processo de decisão, com a rejeição de parentes e da comunidade, e por fim, não recebem o apoio da Igreja. São raros os casos de acolhida e correta reinserção deles. Já é hora da Igreja institucionalizar este suporte porque sua missão é humanitária, é fraterna. Portanto, deve começar a acolher primeiramente os de casa, senão esta tarefa vai ficar para os ateus como é o caso do Projeto Clero.
Não combina com a natureza e missão da Igreja esta desconfiança e este tratamento como “descartável” que muitas autoridades eclesiásticas dão a seus colegas egressos. É uma situação que clama por humanidade. Muitos jovens deixam suas famílias, seus trabalhos, ingressam na vida religiosa, desistem, não encontram apoio e saem sem emprego, defasados para o mercado. O mesmo empenho que as pastorais vocacionais têm em conquistar os vocacionados, elas devem ter em acolher suas desistências. Se for diferente disso, teremos a nossa frente uma relação descartável e de instrumentalização da pessoa humana.

Considerações finais

Duas ações são necessárias: A acolhida imediata dos egressos e a inserção deles no trabalho pastoral como mão de obra especializada. Para aqueles que deixam a fé também deve ser dado o mesmo tratamento. Se a Igreja não fizer isso estará falhando como comunidade fraterna. A visão de vocação precisa mudar muito ainda, precisa ser vista de forma mais humana, terrena, pessoal. Existe atualmente cerca de 8 mil padres casados no Brasil[5], cadê eles? Sem contar ex-seminaristas e ex-freiras. A acolhida destes certamente enriquecerá a Igreja e fará a diferença na vida de cada um deles.

Este texto trata de um assunto sério e relevante e espera encontrar por parte de autoridades eclesiásticas, e demais fiéis, o devido respeito e consideração.



[1] http://noticias.gospelprime.com.br/pastores-e-padres-ateus-sao-encorajados-a-assumir-isso-publicamente/
[2] http://www.pavablog.com/2012/05/04/meu-nome-e-teresa-fui-pastora-da-igreja-metodista-e-agora-sou-ateia/
[3] http://clergyproject.org/
[4] http://www.padrescasados.org/sobre/
[5] http://www.opovo.com.br/app/opovo/fortaleza/2012/06/29/noticiasjornalfortaleza,2868663/brasil-tem-cerca-de-oito-mil-padres-casados.shtml

domingo, 4 de novembro de 2012

Para falar sobre Deus: Critérios




PRINCÍPIOS PARA UM DISCURSO SENSATO SOBRE DEUS

José Aristides da Silva Gamito

 

Introdução

Constantemente nos deparamos com afirmações sobre Deus aparentemente bem intencionadas, mas que turvam muito a imagem de um Deus moralmente aceitável. Muitas vezes, a imagem de Deus que se tem é muito cruel. Há pessoas que sofrem por causa de seus conceitos religiosos. Ultimamente, o neo-pentecostalismo tem difundido uma ideia de intimidade com Deus que na verdade é uma tomada de posse de Deus por parte do fiel. Ele torna conhecedor de Deus demais e o torna refém de suas vontades. Neste discurso, tudo pode se afirmar em nome de Deus. É um discurso que conduz ao fundamentalismo religioso.
Portanto, é importante levantar alguns princípios do discurso sobre o divino. Cotidianamente, as pessoas falam de Deus, mas nem sempre fazem uma crítica da linguagem que usam para descrevê-lo, nem mesmo verificam as consequências de suas afirmações.

A natureza do conhecimento sobre Deus

Primeiro, devemos considerar que um discurso sobre Deus será sempre limitado. Trataremos sempre de metáforas e tentativas de aproximação. A citação neotestamentária vem corroborar isso: “Ninguém jamais viu a Deus” (1 Jo 4, 12). A natureza do conhecimento de Deus é simbólica e metafórica. Deus é conhecido através da fé, a fé provém do testemunho da Palavra. Nas Escrituras estão esses testemunhos acerca da existência e da vontade de Deus. Porém, não há uma descrição técnica de Deus. Há narrativas e admoestações sobre Deus. O texto de Êxodo 3, 14 ilustra esta perspectiva: “Eu sou aquele que sou”. E nada mais.
A teologia apofática caminhou nesta direção: Não se pode definir a existência e nem a inexistência de Deus, o divino vai além desses conceitos. Segundo este modo de fazer teologia, podemos dizer algumas coisas que Deus não é, mas não podemos afirmar o que ele é. É um modo de respeitar a inefabilidade de Deus.

A limitação das fontes humanas

O conhecimento que supomos ter sobre Deus vem de fontes humanas, historicamente influenciadas no espaço e no tempo. Mesmo quando se diz sobre a revelação de Deus na Bíblia, temos de entender que este evento é maior que o texto bíblico.  Quem revela (Deus) é infinito, quem recebe a revelação (o homem) é finito. O homem não pode captar tudo o que Deus é.
Não estamos proibidos de falar sobre Deus. Na verdade, podemos sim. Mas podemos falar pouquíssimo sobre Deus. Nossos instrumentos são insuficientes.

Deus excede o sistema religioso

            Outro aspecto que deve ser considerado é a relação entre Deus e a autoridade de uma religião. Não seria sensato atribuir a Deus a autoria de todo o sistema religioso.  O divino não coincide com sistema religioso, está além dele. Se houver esta coincidência, as mazelas históricas serão atribuídas a Deus. Esta tentativa de tomar posse de Deus para validar a autoridade de um sistema religioso não deu certo. Temos os casos das teocracias que serviram para oprimir muita gente. A Igreja na Idade Média, o fundamentalismo islâmico contemporâneo, são exemplos disso.

A aporia sobre o problema do mal

A coexistência de um Deus bom e a presença de um mal no mundo é um problema que deve ser tratado com sensatez. As pessoas sempre se deparam com esta limitação no conhecimento sobre Deus. Vários pensadores tentaram dar uma solução a este problema. Mas na verdade não temos respostas conclusivas sobre. Atribuir a autoria do mal a Deus é posição muito complicada.
No cotidiano nós encontramos pessoas revoltadas, frustradas na fé, porque atribuíam tudo na sua vida a Deus. E quando veio a tragédia de forma tão injusta? Será que Deus queria isso? Este choque com a bondade e a justiça divina trouxe infelicidade a muita gente.
Para um discurso sensato sobre Deus deveríamos aceitar o problema do mal como inconclusível. Afirmações rasas sobre a autoria do mal só trarão mais dificuldade no discurso sobre Deus.

A inefabilidade divina e os limites da inteligência humana

            A inteligência humana não pode conhecer algo descrito como a natureza divina. Logicamente, podemos conhecer apenas seres e objetos naturais. Mesmo que a mente possa intuir a existência e demonstrá-lo pelo discurso, não poderá apresentá-lo cientificamente e mesmo no discurso poderá esgotar tudo sobre ele.
Em síntese, o conceito habitual que se tem de Deus é muito além do que a inteligência pode alcançar. Tentativas de definir Deus podem ser na verdade mecanismos de projeção de um Deus que é a vontade das pessoas elevadas a uma potência máxima.

 “Sobre aquilo que não pode falar, deve se calar”

Considerada a diferença entre Deus e o homem. Mesmo levando em conta a Revelação, mas admitindo a limitação da inteligência em compreendê-la por completo. E, além disso, entendendo que a Revelação não nos mostra Deus em sua íntima essência, apenas através de imagens, mesmo se mostrasse não compreenderíamos. Afirmamos, utilizando a frase de Wittgenstein: “Sobre aquilo que não pode falar, deve se calar”. De fato, não temos competência para definir Deus e nem atribuir-lhe coisas que não sabemos.
Então, um discurso sensato sobre Deus deve levar em conta estes aspectos: a) A inefabilidade de Deus; b) A limitação da linguagem e da inteligência humana; d) A historicidade das fontes, c) A inadequação entre sistema religioso e Deus, f) A insolubilidade do problema do mal e tantos outros. Talvez, nós pudéssemos, levados por nossa teimosia, falar sobre Deus poeticamente, sem conceitos, considerando tudo como linguagem provisórias. Como diria Rubem Alves, faríamos teopoesia.