PRINCÍPIOS PARA UM DISCURSO SENSATO
SOBRE DEUS
José Aristides da Silva Gamito
Introdução
Constantemente
nos deparamos com afirmações sobre Deus aparentemente bem intencionadas, mas que
turvam muito a imagem de um Deus moralmente aceitável. Muitas vezes, a imagem
de Deus que se tem é muito cruel. Há pessoas que sofrem por causa de seus
conceitos religiosos. Ultimamente, o neo-pentecostalismo tem difundido uma
ideia de intimidade com Deus que na verdade é uma tomada de posse de Deus por
parte do fiel. Ele torna conhecedor de Deus demais e o torna refém de suas
vontades. Neste discurso, tudo pode se afirmar em nome de Deus. É um discurso
que conduz ao fundamentalismo religioso.
Portanto,
é importante levantar alguns princípios do discurso sobre o divino.
Cotidianamente, as pessoas falam de Deus, mas nem sempre fazem uma crítica da
linguagem que usam para descrevê-lo, nem mesmo verificam as consequências de
suas afirmações.
A
natureza do conhecimento sobre Deus
Primeiro,
devemos considerar que um discurso sobre Deus será sempre limitado. Trataremos
sempre de metáforas e tentativas de aproximação. A citação neotestamentária vem
corroborar isso: “Ninguém jamais viu a Deus” (1 Jo 4, 12). A natureza do
conhecimento de Deus é simbólica e metafórica. Deus é conhecido através da fé,
a fé provém do testemunho da Palavra. Nas Escrituras estão esses testemunhos
acerca da existência e da vontade de Deus. Porém, não há uma descrição técnica de
Deus. Há narrativas e admoestações sobre Deus. O texto de Êxodo 3, 14 ilustra
esta perspectiva: “Eu sou aquele que sou”. E nada mais.
A
teologia apofática caminhou nesta direção: Não se pode definir a existência e
nem a inexistência de Deus, o divino vai além desses conceitos. Segundo este
modo de fazer teologia, podemos dizer algumas coisas que Deus não é, mas não
podemos afirmar o que ele é. É um modo de respeitar a inefabilidade de Deus.
A limitação das
fontes humanas
O
conhecimento que supomos ter sobre Deus vem de fontes humanas, historicamente
influenciadas no espaço e no tempo. Mesmo quando se diz sobre a revelação de
Deus na Bíblia, temos de entender que este evento é maior que o texto bíblico. Quem revela (Deus) é infinito, quem recebe a
revelação (o homem) é finito. O homem não pode captar tudo o que Deus é.
Não
estamos proibidos de falar sobre Deus. Na verdade, podemos sim. Mas podemos
falar pouquíssimo sobre Deus. Nossos instrumentos são insuficientes.
Deus
excede o sistema religioso
Outro
aspecto que deve ser considerado é a relação entre Deus e a autoridade de uma
religião. Não seria sensato atribuir a Deus a autoria de todo o sistema
religioso. O divino não coincide com
sistema religioso, está além dele. Se houver esta coincidência, as mazelas
históricas serão atribuídas a Deus. Esta tentativa de tomar posse de Deus para
validar a autoridade de um sistema religioso não deu certo. Temos os casos das
teocracias que serviram para oprimir muita gente. A Igreja na Idade Média, o
fundamentalismo islâmico contemporâneo, são exemplos disso.
A
aporia sobre o problema do mal
A
coexistência de um Deus bom e a presença de um mal no mundo é um problema que
deve ser tratado com sensatez. As pessoas sempre se deparam com esta limitação
no conhecimento sobre Deus. Vários pensadores tentaram dar uma solução a este
problema. Mas na verdade não temos respostas conclusivas sobre. Atribuir a
autoria do mal a Deus é posição muito complicada.
No
cotidiano nós encontramos pessoas revoltadas, frustradas na fé, porque atribuíam
tudo na sua vida a Deus. E quando veio a tragédia de forma tão injusta? Será
que Deus queria isso? Este choque com a bondade e a justiça divina trouxe
infelicidade a muita gente.
Para
um discurso sensato sobre Deus deveríamos aceitar o problema do mal como
inconclusível. Afirmações rasas sobre a autoria do mal só trarão mais
dificuldade no discurso sobre Deus.
A
inefabilidade divina e os limites da inteligência humana
A inteligência humana não pode
conhecer algo descrito como a natureza divina. Logicamente, podemos conhecer
apenas seres e objetos naturais. Mesmo que a mente possa intuir a existência e
demonstrá-lo pelo discurso, não poderá apresentá-lo cientificamente e mesmo no
discurso poderá esgotar tudo sobre ele.
Em
síntese, o conceito habitual que se tem de Deus é muito além do que a
inteligência pode alcançar. Tentativas de definir Deus podem ser na verdade
mecanismos de projeção de um Deus que é a vontade das pessoas elevadas a uma
potência máxima.
“Sobre aquilo que não pode falar, deve se
calar”
Considerada
a diferença entre Deus e o homem. Mesmo levando em conta a Revelação, mas
admitindo a limitação da inteligência em compreendê-la por completo. E, além
disso, entendendo que a Revelação não nos mostra Deus em sua íntima essência, apenas
através de imagens, mesmo se mostrasse não compreenderíamos. Afirmamos,
utilizando a frase de Wittgenstein: “Sobre aquilo que não pode falar, deve se
calar”. De fato, não temos competência para definir Deus e nem atribuir-lhe
coisas que não sabemos.
Então,
um discurso sensato sobre Deus deve levar em conta estes aspectos: a) A
inefabilidade de Deus; b) A limitação da linguagem e da inteligência humana; d)
A historicidade das fontes, c) A inadequação entre sistema religioso e Deus, f)
A insolubilidade do problema do mal e tantos outros. Talvez, nós pudéssemos,
levados por nossa teimosia, falar sobre Deus poeticamente, sem conceitos,
considerando tudo como linguagem provisórias. Como diria Rubem Alves, faríamos teopoesia.