domingo, 4 de novembro de 2012

Para falar sobre Deus: Critérios




PRINCÍPIOS PARA UM DISCURSO SENSATO SOBRE DEUS

José Aristides da Silva Gamito

 

Introdução

Constantemente nos deparamos com afirmações sobre Deus aparentemente bem intencionadas, mas que turvam muito a imagem de um Deus moralmente aceitável. Muitas vezes, a imagem de Deus que se tem é muito cruel. Há pessoas que sofrem por causa de seus conceitos religiosos. Ultimamente, o neo-pentecostalismo tem difundido uma ideia de intimidade com Deus que na verdade é uma tomada de posse de Deus por parte do fiel. Ele torna conhecedor de Deus demais e o torna refém de suas vontades. Neste discurso, tudo pode se afirmar em nome de Deus. É um discurso que conduz ao fundamentalismo religioso.
Portanto, é importante levantar alguns princípios do discurso sobre o divino. Cotidianamente, as pessoas falam de Deus, mas nem sempre fazem uma crítica da linguagem que usam para descrevê-lo, nem mesmo verificam as consequências de suas afirmações.

A natureza do conhecimento sobre Deus

Primeiro, devemos considerar que um discurso sobre Deus será sempre limitado. Trataremos sempre de metáforas e tentativas de aproximação. A citação neotestamentária vem corroborar isso: “Ninguém jamais viu a Deus” (1 Jo 4, 12). A natureza do conhecimento de Deus é simbólica e metafórica. Deus é conhecido através da fé, a fé provém do testemunho da Palavra. Nas Escrituras estão esses testemunhos acerca da existência e da vontade de Deus. Porém, não há uma descrição técnica de Deus. Há narrativas e admoestações sobre Deus. O texto de Êxodo 3, 14 ilustra esta perspectiva: “Eu sou aquele que sou”. E nada mais.
A teologia apofática caminhou nesta direção: Não se pode definir a existência e nem a inexistência de Deus, o divino vai além desses conceitos. Segundo este modo de fazer teologia, podemos dizer algumas coisas que Deus não é, mas não podemos afirmar o que ele é. É um modo de respeitar a inefabilidade de Deus.

A limitação das fontes humanas

O conhecimento que supomos ter sobre Deus vem de fontes humanas, historicamente influenciadas no espaço e no tempo. Mesmo quando se diz sobre a revelação de Deus na Bíblia, temos de entender que este evento é maior que o texto bíblico.  Quem revela (Deus) é infinito, quem recebe a revelação (o homem) é finito. O homem não pode captar tudo o que Deus é.
Não estamos proibidos de falar sobre Deus. Na verdade, podemos sim. Mas podemos falar pouquíssimo sobre Deus. Nossos instrumentos são insuficientes.

Deus excede o sistema religioso

            Outro aspecto que deve ser considerado é a relação entre Deus e a autoridade de uma religião. Não seria sensato atribuir a Deus a autoria de todo o sistema religioso.  O divino não coincide com sistema religioso, está além dele. Se houver esta coincidência, as mazelas históricas serão atribuídas a Deus. Esta tentativa de tomar posse de Deus para validar a autoridade de um sistema religioso não deu certo. Temos os casos das teocracias que serviram para oprimir muita gente. A Igreja na Idade Média, o fundamentalismo islâmico contemporâneo, são exemplos disso.

A aporia sobre o problema do mal

A coexistência de um Deus bom e a presença de um mal no mundo é um problema que deve ser tratado com sensatez. As pessoas sempre se deparam com esta limitação no conhecimento sobre Deus. Vários pensadores tentaram dar uma solução a este problema. Mas na verdade não temos respostas conclusivas sobre. Atribuir a autoria do mal a Deus é posição muito complicada.
No cotidiano nós encontramos pessoas revoltadas, frustradas na fé, porque atribuíam tudo na sua vida a Deus. E quando veio a tragédia de forma tão injusta? Será que Deus queria isso? Este choque com a bondade e a justiça divina trouxe infelicidade a muita gente.
Para um discurso sensato sobre Deus deveríamos aceitar o problema do mal como inconclusível. Afirmações rasas sobre a autoria do mal só trarão mais dificuldade no discurso sobre Deus.

A inefabilidade divina e os limites da inteligência humana

            A inteligência humana não pode conhecer algo descrito como a natureza divina. Logicamente, podemos conhecer apenas seres e objetos naturais. Mesmo que a mente possa intuir a existência e demonstrá-lo pelo discurso, não poderá apresentá-lo cientificamente e mesmo no discurso poderá esgotar tudo sobre ele.
Em síntese, o conceito habitual que se tem de Deus é muito além do que a inteligência pode alcançar. Tentativas de definir Deus podem ser na verdade mecanismos de projeção de um Deus que é a vontade das pessoas elevadas a uma potência máxima.

 “Sobre aquilo que não pode falar, deve se calar”

Considerada a diferença entre Deus e o homem. Mesmo levando em conta a Revelação, mas admitindo a limitação da inteligência em compreendê-la por completo. E, além disso, entendendo que a Revelação não nos mostra Deus em sua íntima essência, apenas através de imagens, mesmo se mostrasse não compreenderíamos. Afirmamos, utilizando a frase de Wittgenstein: “Sobre aquilo que não pode falar, deve se calar”. De fato, não temos competência para definir Deus e nem atribuir-lhe coisas que não sabemos.
Então, um discurso sensato sobre Deus deve levar em conta estes aspectos: a) A inefabilidade de Deus; b) A limitação da linguagem e da inteligência humana; d) A historicidade das fontes, c) A inadequação entre sistema religioso e Deus, f) A insolubilidade do problema do mal e tantos outros. Talvez, nós pudéssemos, levados por nossa teimosia, falar sobre Deus poeticamente, sem conceitos, considerando tudo como linguagem provisórias. Como diria Rubem Alves, faríamos teopoesia.

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