QUANDO DEUS SE TORNA CABO ELEITORAL
José
Aristides da Silva Gamito
Há
um ditado popular que diz que “futebol, política e religião não se discutem”.
Mas o debate é inevitável, principalmente, quando se trata da relação entre
política e religião. Não tem como separar o crente do político. O que é
necessário é estabelecer o limite, o espaço e os parâmetros desta relação. Além
de assumir o compromisso de um debate respeitoso, é claro!
Se
há um problema grave atualmente provocado pelos setores conservadores católicos
e evangélicos neopentecostais é levar Deus para o centro do debate político como
se fosse um cabo eleitoral. Ignorando o Estado laico e a pluralidade no espaço
democrático, esses cristãos tornam a religião uma condição indispensável para
ser candidato. A competência técnica e a ética exigidas para desempenhar um
cargo eletivo não passa necessariamente pela confissão de alguma fé. Há uma mistura
entre o homem público e o homem cristão.
O
mais grave é quando o fundamentalismo religioso, o moralismo conservador, tudo passa
a se impor e a ameaçar a democracia. Além das falsas notícias, interpretações
fundamentalistas e fantasmas ideológicos são apresentados como justificativa
para se votar em algum candidato. O texto bíblico sofre violências
interpretativas para fundamentar posturas violentas e discriminatórias.
Na
impossibilidade de diálogo entre projetos políticos de direita e de esquerda,
corremos o risco de perder agendas políticas importantes para assegurar a
dignidade e os direitos dos cidadãos. Há valores fundamentais que não são propriedades
do liberalismo ou do socialismo. Mas que alguns setores ignoram porque são “bandeiras”
do adversário. Quando algum grupo divide a sociedade entre aqueles que votam no
“projeto de Deus” e aqueles que não votam, corre o risco de menosprezar as
reivindicações dos outros por rotulá-los de “inimigos de Deus”. A imposição de
ideologias como se fossem a genuína Palavra de Deus gera, na verdade, uma
violência contra o direito de muitos concidadãos.
A
utilização do fundamentalismo religioso como força motriz para a eleição de um
candidato além de ser prejudicial para a democracia, é também para as comunidades
religiosas. Quando cristãos reduzem ou identificam a vontade de Deus com um
candidato e este acaba por cometer uma falha grave, a credibilidade da religião
é afetada juntamente. O discurso
religioso é um horizonte ideal, imaculado, mas quando se torna prática
encarnada no partido ou no candidato quebra o encanto e pode causar muitos
malefícios. Afinal, o que precisa ficar claro é que, na democracia, o crente
pode ser político, mas o político não tem de ser necessariamente crente.
Com
moderação e diálogo a gente avança, mas se abandonarmos a racionalidade em
benefício do sectarismo e do fundamentalismo só iremos aprofundar mais as
crises deste país.
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