domingo, 11 de novembro de 2012

O dever de incluir


PROCESSO DE REINSERÇÃO: ONDE ESTÃO OS EX-MINISTROS E OS EX-ASPIRANTES A MINISTÉRIOS
 NA IGREJA?

José Aristides da Silva Gamito

Introdução

Ultimamente vem sendo divulgado na mídia que Richard Dawkins, biólogo e militante do ateísmo, criou o Projeto Clero (The Clergy Project)[1] que é mantido por sua fundação com a finalidade de apoiar clérigos que deixam o ministério e não encontram mais acolhida e compreensão em suas comunidades religiosas. Fiquei pensando: Por que um ateu teria de fazer isso? Não seria a própria fraternidade cristã?
O apoio de Dawkins, é claro, tem o propósito de incentivar o ateísmo, mas por outro lado representa a emergência de um serviço necessário: Apoiar os egressos da Igreja ou das Igrejas. Normalmente, os padres e os pastores que deixam o ministério não são compreendidos por seus familiares e muitos são rejeitados pelos amigos e por suas comunidades.
Esses homens e mulheres recebem um estigma como se fossem anátemas. A situação piora se ao deixa o ministério, o clérigo deixa também a fé que professara até aquela ocasião. As Igrejas se pautam sobre os princípios da fraternidade, mas têm dificuldade em acolher o “diferente”, o “não desejado”. É, na prática, uma fraternidade condicional.
Muitas vezes, os fiéis compreendem a vocação como um fato definitivo e não como um processo. Segundo esta visão, os vocacionados são obrigados a seguir uma opção única como se fossem predestinados e impedidos de retroceder. Descobrir a ausência de vocação é encarado como ‘traição a Deus’. Percebe-se nesta perspectiva a radicalidade do seguimento: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está apto para o Reino de Deus” (Lc 9, 62). Porém, uma radicalidade aplicada à situação equivocada.



A Fundação Clero

A fundação de Richard Dawkins desperta uma discussão relevante sobre como as Igrejas acolhem seus clérigos egressos.  O projeto surgiu pensando em milhares de clérigos que já não mais acreditam no que fazem, mas não deixam o ministério porque temem a rejeição, não têm opção de emprego ou estão desatualizados demais para enfrentar o mercado de trabalho. Recomeçar é desafiante para essas pessoas.
Muitos fiéis veem esta situação com ingenuidade ou ignorância e consideram um problema de fácil solução. Mas para a maioria dos envolvidos tudo soa como um drama existencial.
A fundação tem o exemplo da pastora metodista Teresa MacBain[2], que deixou de acreditar em seu ministério, mas teve dificuldade em renunciar, mas o fez graças ao apoio do Projeto Clero, que em sua comunidade online[3], já possui mais de 200 membros.

A situação dos egressos no Brasil

No Brasil, já existe um movimento organizado dos padres casados. São padres que deixaram o ministério, continuam tendo fé, mas não encontram mais espaço na Igreja. Exemplo disso é a Associação Rumos[4]. A Associação existe desde 1986 e representa mais de 5 mil padres casados e suas famílias.
Esta classe assim como os ex-seminaristas, as ex-freiras, são alvo de uma desconfiança por parte dos fiéis ou mesmo por parte da instituição e não conseguem recuperar seu espaço dentro da Igreja. No fundo, são vistos de um modo raso como “traidores da vocação”.
A Igreja perde muito com esta dificuldade de inserção dos ex-ministros e ex-aspirantes a ministérios, pois eles têm boa formação teológica, experiência de liderança. Não são aproveitados na Igreja. Aliás, a Igreja é talvez a única instituição a não aproveitar o retorno de seus investimentos quando se trata de qualificação de pessoas. Todo o investimento feito através dos seminários fica anulado por uma incompreendida desconfiança.

A hospitalidade cristã e a vida dos egressos

Os egressos sofrem com o processo de decisão, com a rejeição de parentes e da comunidade, e por fim, não recebem o apoio da Igreja. São raros os casos de acolhida e correta reinserção deles. Já é hora da Igreja institucionalizar este suporte porque sua missão é humanitária, é fraterna. Portanto, deve começar a acolher primeiramente os de casa, senão esta tarefa vai ficar para os ateus como é o caso do Projeto Clero.
Não combina com a natureza e missão da Igreja esta desconfiança e este tratamento como “descartável” que muitas autoridades eclesiásticas dão a seus colegas egressos. É uma situação que clama por humanidade. Muitos jovens deixam suas famílias, seus trabalhos, ingressam na vida religiosa, desistem, não encontram apoio e saem sem emprego, defasados para o mercado. O mesmo empenho que as pastorais vocacionais têm em conquistar os vocacionados, elas devem ter em acolher suas desistências. Se for diferente disso, teremos a nossa frente uma relação descartável e de instrumentalização da pessoa humana.

Considerações finais

Duas ações são necessárias: A acolhida imediata dos egressos e a inserção deles no trabalho pastoral como mão de obra especializada. Para aqueles que deixam a fé também deve ser dado o mesmo tratamento. Se a Igreja não fizer isso estará falhando como comunidade fraterna. A visão de vocação precisa mudar muito ainda, precisa ser vista de forma mais humana, terrena, pessoal. Existe atualmente cerca de 8 mil padres casados no Brasil[5], cadê eles? Sem contar ex-seminaristas e ex-freiras. A acolhida destes certamente enriquecerá a Igreja e fará a diferença na vida de cada um deles.

Este texto trata de um assunto sério e relevante e espera encontrar por parte de autoridades eclesiásticas, e demais fiéis, o devido respeito e consideração.



[1] http://noticias.gospelprime.com.br/pastores-e-padres-ateus-sao-encorajados-a-assumir-isso-publicamente/
[2] http://www.pavablog.com/2012/05/04/meu-nome-e-teresa-fui-pastora-da-igreja-metodista-e-agora-sou-ateia/
[3] http://clergyproject.org/
[4] http://www.padrescasados.org/sobre/
[5] http://www.opovo.com.br/app/opovo/fortaleza/2012/06/29/noticiasjornalfortaleza,2868663/brasil-tem-cerca-de-oito-mil-padres-casados.shtml

5 comentários:

irma disse...

Muito importante e necessário esta inclusão , dos padres casados e ex vocacionados e ex freiras. Teremos até mais qualidade em trabalhos pastorais, devido a qualidades da formação destes excluídos.Tem todo meu apoio.

Unknown disse...

Muito interessante, concordo plenamente, devemos acolher a todos independentemente de tudo, pois acima de tudo todos somos irmãos, e não é só porque desistimos de seguir a carreira religiosa devemos ser julgados e deixado de lado dentro da igreja.

Lucia Ambrosio Pereira Alvim disse...

Eu conheço casos assim, mas sei quem se vê nesta situação tb , se exclui da igreja , pois eles tiveram uma formação muito profunda e de muito conhecimento!!!! mas tem casos que a eles retornam nos trabalhos da igreja como leigos!!! e fazem um trabalho muito bonito!!!! Sinceramente acho que a igreja está de portas aberta pra quem quer trabalhar !!!! Seja bem vindo!!!

Toneco disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Toneco disse...

Estou de pleno acordo! E acrecento que a inclusão desses egressos não deve ocorrer porque, acima de tudo, somos todos irmãos. Não, pois desse modo seria uma caridade e um projeto dessa dimensão é uma necessidade, uma estratégia de qualificação e crescimento da própria Igreja. Acredito que a Igreja pensa nisso, mas ninguém deu o primeiro passo. O avolumamento das opiniões pode estimular uma tomada de posição dos chefes eclesiásticos.

Já por um prisma teológico, sempre me perguntei: um padre exerce bem o sacerdócio por 20 anos e depois se casa constituindo uma linda família e, depois de 20 anos, morre; qual foi sua vocação? A segunda? Por quê? Deus chama para o sacerdócio sem a obrigação do celibato; caso contrário não estariam perdidos os antigos padres e bispos quando o celibato não era imposto? Não podemos entender a vocação para o matrimônio e para o sacerdócio como excludentes entre si.

Por fim, me lembro que a Igreja tem uma riqueza pouco utilizada que é o primeiro grau da ordem: o diaconato. Enquanto ela não abre mão do celibato, não poderia abrir mão para que o padre casado exercesse o diaconato? Canonicamente ele não pode exercer o presbiterato embora teologicamente ele continue presbítero – “Sacerdos in eternum”. Vale a pena ler um artigo do Padre José Amado Aguirre- Advogado civil, Doutor em Ciências Jurídicas, ex- Juiz de Tribunais eclesiásticos da Arquidiocese de Córdoba.- Argentina: http://padrelucas.com.br/informaximo/artigos/artigo.asp?id=2151 – entre tudo o que expõe gostaria de destacar: “O celibato não é um mandato divino. Mas o casamento é. O celibato, para ser virtude, deve se enraizar na liberdade que não pode ser estratificada em qualquer momento histórico.Encapsular a vocação no celibato sacerdotal, não é legítimo, nem teológica nem juridicamente. O fato histórico, não contínuo, nem fielmente observado, da inseparabilidade do sacerdócio e do celibato não constitui um argumento teológico”. Trad. Para o português de João Tavares

Abraço a todos