sábado, 3 de dezembro de 2016

Saudade e Música

“A DOR DA SAUDADE QUEM É QUE NÃO TEM”

O olhar do Jeca nos lembra essa tristeza impressa na música caipira.

Comumente se diz que só a língua portuguesa tem uma palavra para nomear o sentimento da saudade. A afirmação é parcialmente verdadeira. Das muitas línguas que conheço todas têm palavras para designar este sentimento, mas o português tem uma relação específica com este sentimento.
Lendo recentemente um artigo no site da BBC intitulado The European country that loves being sad (O país europeu que ama ser triste)[1] fui remetido a essa especificidade do espírito português presente na nossa língua. Eric Weiner, autor do artigo, comenta que enquanto o americano tem uma necessidade de buscar a felicidade ou ser feliz a todo custo, o povo de Portugal já é diferente. Segundo ele, quando se pergunta a uma pessoa portuguesa como ela está, a resposta mais entusiasta que se pode receber é “mais ou menos”.
De acordo com o autor, Portugal tem uma cultura de melancolia difícil de perder. Enquanto em alguns países homenageiam-se com estátuas generais, naquele país fazem-se esculturas para os poetas. Weiner lembra a especificidade da palavra saudade. Uma palavra intraduzível para outras línguas. Ele a define como uma dor por alguém ou por algum lugar que um dia nos deu grande prazer. Difere-se de nostalgia por causa do senso de ausência e de perda.
Isso está fortemente expresso pela música. O fado, principal ritmo português, demonstra essa tristeza. A sua origem está ligada a prostitutas e a mulheres de pescadores que conviviam a possibilidade constante de seus maridos não voltarem do mar. Portanto, surge no meio de pessoas que lidavam com o sofrimento.
Não poderíamos encontrar resquício desse espírito na música brasileira? A música caipira tem um acento forte nas paixões mal sucedidas e no sofrimento da vida no campo. Um clássico como “Saudades de Matão” de Jorge Galati exemplifica isso. Assim seguem as músicas de fossa para afogar as mágoas, exemplo típico dos anos 70 é a cantora Maysa.[2] Nos anos 80, o sertanejo romântico de Zezé di Camargo e Luciano e de Leandro e Leonardo resgata o tema do amor dolorido e atualmente, temos a ‘sofrência’. Tudo inspira tristeza.
A alegria na nossa música parece entrar com a herança africana, principalmente, a partir do samba e do Carnaval. Atualmente, temos uma diversidade de espíritos predominando na nossa música, principalmente, a tendência hedonista do sertanejo universitário, do funk. Neste caso, música não foi feita para cantar tristeza, mas para estimular a festa, ao sexo, a bebedeira. Mas, à moda de Portugal, nossa música nunca deixou de cantar a tristeza, porque, como diz a canção de Amácio Mazzaropi “A dor da saudade quem é que não tem”.



[1] O texto pode ser encontrado em: http://www.bbc.com/travel/story/20161118-the-european-country-that-loves-being-sad
[2] O site da rádio cultura faz uma lista e comentários sobre essas músicas: http://culturabrasil.cmais.com.br/playlists/para-afogar-as-magoas

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