segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Opinião VI:

O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA E A ANÁLISE DOS AVANÇOS E RETROCESSOS DA INCLUSÃO SOCIAL


José Aristides da Silva Gamito

A comemoração do Dia da Consciência Negra nos leva a analisar o encontro da cultura africana com a europeia durante a colonização brasileira. A escravidão negra no Brasil durou de 1594 a 1888. São datas adotadas apenas como referências. No alvorecer da modernidade, durante a efervescência do antropocentrismo, práticas desumanas da antiguidade voltam a ser legalizadas pelo Estado. Naquela época, os reinos europeus começaram a procurar novas riquezas e a ordem era acumular bens. Os países que adotaram a escravidão como meio de exploração das colônias tiveram o beneplácito do cristianismo.
Em terras brasileiras, o encontro entre colonos e escravos africanos foi muito conflituoso. Houve influência mútua. Por um lado, o resultado nos aponta um enriquecimento da cultura brasileira por parte dos africanos.  Mas, por outro, os afro-descendentes receberam apenas preconceito, miséria e marginalização social em troca. A atual sociedade brasileira, que se diz democrática e tolerante, ainda vive muitos preconceitos raciais. Esta é a desigualdade: Os africanos deram ao Brasil o samba, a capoeira, o candomblé, os vários pratos que enobrecem a nossa culinária; mas o país deu em troca apenas exclusão social.
A herança sócio-econômica dos afro-descendentes destaca-se principalmente em relação à renda, à cor e à religião. Os descendentes de escravos no Brasil, em sua maioria, ainda continuam na linha da pobreza e da miséria. O Estado vive criando políticas desajeitadas de inclusão: Como exemplo, temos as cotas para o ingresso nas universidades. A linguagem cotidiana ainda revela muitos hábitos racistas velados. Muita gente já ouviu as expressões: “Ele é preto, mas é gente boa”, “um homem de cor”, “só pode ser serviço de preto”. No fundo, uma estranheza em relação ao diferente persiste apesar de todo avanço das leis.
Outra onda crescente é a satanização das religiões afro-brasileiras por parte de alguns movimentos e igrejas neopentecostais. Os orixás são encarados dentro desses cultos como demônios, os famosos “encostos”. Sendo que o Candomblé e outras religiões africanas não conhecem a ideia de Satanás presente no cristianismo. A intolerância religiosa contra os afro-descendentes está crescendo.
O etnocentrismo é a principal causa do preconceito racial. Quanto menos conhecemos de outra cultura, mais convicção nós temos de que a nossa é a verdadeira. E o que a gente não faz pela verdade? Perde até o senso de humanidade! Encerro com uma citação de Umberto Eco: “A única verdade é aprendermos a nos libertar da paixão insana pela verdade”. Este é o custoso ponto de dissolução de toda intolerância religiosa e étnica.

*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e Superior.
Cf. Jornal Diário de Manhuaçu, 20 de outubro de 2010.

Opinião V:

OS IMPASSES DA EDUCAÇÃO EM NOSSO PAÍS


José Aristides da Silva Gamito*

            Depois de uma semana de comentários embaraçosos em torno do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), veio o momento oportuno para se falar sobre educação. Atualmente existem muitos ponteiros a serem acertados no relógio de nosso sistema educacional! Este ano foi marcado por debates na área da educação. Depois de 12 anos de existência, com os escândalos de 2009 e 2010, o Enem está prestes a perder sua credibilidade. Este ano os professores da rede pública estadual de Minas Gerais fizeram uma greve de 48 dias, os resultados obtidos ficaram aquém do desejado. Enquanto isso, os mesmos enfrentam desinteresses em sala de aula e uma crescente onda de violência nas escolas. Apesar do otimismo veiculado pelas propagandas do Estado, a educação não parece estar tão bem assim. Segundo os últimos resultados do PISA (Programa Internacional de Avaliação Comparada), o Brasil ocupa 53ª posição em matemática (entre 57 países) e a 48ª em leitura.
            Outro problema que está gerando discussão neste semestre é a negação por parte do Estado de Minas Gerais de incluir as disciplinas de Filosofia, Sociologia e Educação Religiosa no próximo concurso de professores. Quando as duas primeiras disciplinas citadas se tornaram obrigatórias no Ensino Médio, surgiu uma situação extremamente prejudicial à educação. Apenas 23% dos professores de filosofia e 12,3% de sociologia eram formados na área, segundo dados do governo federal.
            Em se tratando especificamente de filosofia, muitos estudantes acabam criando preconceitos em relação à disciplina porque o próprio professor a desvaloriza por desconhecê-la. As aulas se tornam fragmentadas e reduzidas a interpretações de textos aleatórios. Em nosso país existe um bom número de filósofos oriundos de seminários católicos. Porém, o Estado, por meio das superintendências de ensino, nega o espaço devido a esses. E, em seus lugares, estão lecionando filosofia pessoas sem qualificação na área apenas por questão de extensão de cargos. O sistema educacional continua preferindo prejudicar a qualidade da educação a abrir mão de uma questão meramente burocrática.
            O número de professores formados em sociologia é bem menor. Aliás, os filósofos e sociólogos se concentram mais no Ensino Superior. É um sinal claro de que o Ensino Médio tem pouco incentivo do Estado.
            A Educação Religiosa se encontra em uma situação mais complexa. Nem existe uma unificação de currículo, em muitas escolas continua sendo um instrumento de proselitismo. O professor não consegue tratar as religiões com igualdade, perde-se o senso acadêmico em razão de sua fé particular. Mais uma vez o ideal do Estado laico fica em desvantagem.
            Enquanto o nosso sistema educacional não reagir a esses impasses, muitos outros atrasos na educação virão se somar aos atuais. A esperança que nos resta é olhar para trás e ver que muita coisa, mesmo de um modo lento, já mudou!

*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e do Superior.
Cf. Jornal Diário   de Manhuaçu, 14 de novembro de 2010.

Opinião IV:

A DEMOCRACIA E AS MULHERES NO PODER



José Aristides da Silva Gamito*


            A eleição da primeira presidente do Brasil nos sugere uma conversa sobre as mulheres e o poder. Segundo o relatório da ONU intitulado The Word’s Women 2010, as mulheres ocupam 10% dos cargos máximos de direção de governo: Chefia de governo e chefia de Estado. A participação em parlamentos nacionais é de 17%. A abertura para a participação feminina na política avança de um modo muito lento, mas aos poucos algumas transformações estão ocorrendo. Há alguns anos seria impensável no Brasil um presidente índio, negro ou mulher. O direito de voto da mulher só foi reconhecido no país na década de 30. As recentes candidaturas de Heloísa Helena, Marina Silva e Dilma Rousseff nos levam a perceber uma mudança na mentalidade brasileira. O direito de participação reconhecido democraticamente e a confiança na capacidade da mulher governar.
            Esse desafio de aceitação enfrentado pelas mulheres fez parte de longos períodos da história ocidental. Somente a partir do século XIX, que o movimento feminista e a sugestão de antigos matriarcados na pré-história feriram o orgulho dos homens, pois, até então se pensava que a situação da mulher sempre foi de submissão. Isso era visto como uma condição natural. E o que se chamou de antropocentrismo foi na verdade um androcentrismo, ou seja, uma “ditadura cultural do macho”.
            As antigas culturas adoravam deusas e honravam heroínas. A principal responsável pela masculinização do poder no ocidente parece ter sido a civilização judaico-cristã. Alguns estudos chegaram até demonstrar que o Deus bíblico originalmente era cultuado como uma deusa pelas antigas culturas do Oriente Médio. O ponto de partida parece ser esta visão de um Deus masculino. A máxima representação do poder tornou-se masculina. Portanto, se o poder político era pensado como de direito divino, somente homens poderiam representá-lo legitimamente. Essa ideia pode ser observada no impedimento de mulheres serem sacerdotisas no cristianismo. Em síntese, uma cadeia de percepções e raciocínios deixou de enxergar a igualdade de direito da mulher.
            Para a nossa época parece sem sentido discutir o espaço da mulher na democracia. Em se tratando de teoria, e das atitudes de parte da sociedade, não haveria necessidade mesmo! Porém, ainda na cabeça de muitos homens e, também de mulheres, o feminino é inferior. Se não fosse assim, não haveria necessidade de uma lei como a Lei Maria da Penha no alvorecer do século XXI!
            A eleição de Dilma é um fato histórico importante sem dúvidas. A sociedade brasileira não pode é fazer deste feito mais um erro em relação à mulher. O próximo governo que se espera é de continuidade, mas tem de ser um governo com cabeça feminina. E isso vai exigir um pouco de compreensão dos lulistas que veem a Dilma como Lula II.

*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e do Superior.
Cf. Jornal Diário de Manhuaçu, 09 de novembro de 2010.

Opinião III:

O NOSSO JEITINHO BRASILEIRO DE CONCORRER


José Aristides da Silva Gamito*

            Existem algumas situações que nos levam necessariamente à reflexão. Refletir não é uma tarefa difícil para ninguém! Eu diria que é algo rotineiro. É muito fácil analisar e criticar as ações dos outros. Porém, o desafio que aparece diante de nós é a autocrítica. Quais os critérios que nos garantem a objetividade em nossas avaliações? Nós tendemos a ver aquilo que nos beneficia e aquilo que confirma nosso ponto de vista como verdade. Nesta discussão filosófica sobre conhecimento e verdade, não podemos nos esquecer que a nossa vontade, os nossos desejos, as nossas emoções, tudo participa de nossa decisão racional.
            As disputas partidárias, os confrontos entre diferentes religiões e, até mesmo, nossas diferenças de ideias do dia-a-dia nos levam a esse desafio. A ciência quis durante o auge do positivismo se construir como um julgamento impessoal, imparcial e objetivo. Mas todo mundo que parte para conhecer algo, sempre age motivado por determinadas intenções e interesses.
            O filósofo Nietzsche dizia que toda ação é “interessante e interesseira”. É claro que não podemos chegar ao cúmulo de pensar que tudo reside na base da troca! O capitalismo se baseia nisso. Mas quando observamos como os candidatos concorrem a uma eleição, como os membros e simpatizantes de um partido analisam os planos de governo, observamos o quanto é difícil ser justo e ficar isento de particularidades egoístas. É justamente essa habilidade que falta no nosso jeitinho brasileiro de pensar a democracia. Muitas pessoas veem isso diariamente acontecer nas prefeituras. Essas são instâncias mais vulneráveis à vingança e à perseguição político-partidária.
            A corrupção das bases é o fundamento da corrupção e dos maus hábitos da superestrutura. Muitas vezes, prefeitos, vereadores e pessoas influentes nas pequenas cidades subornam, usam a “camaradagem” para obter vantagens. E quando analisamos a mesma situação em uma macroestrutura como o país, ficamos assustados!
            Do mesmo modo, nossas convicções morais particularistas cedem constantemente lugar aos interesses da comunidade e da nação. Se você observar bem, perceberá que o Brasil tem uma carga moral e cristã muito rigorosa. Mas na prática não consegue reduzir a desigualdade social, não consegue praticar a justiça. Afinal, somos coniventes com o mal que acontece todo dia. Simplesmente porque não queremos nos opor, nos indignar. E acabamos fingindo que somos cidadãos, que somos cristãos, que somos irmãos. Na verdade o nosso jeitinho brasileiro de concorrer não nos deixar distinguir o pessoal do comunitário. E continuamos sendo coniventes com mal! Que o resultado dessas eleições possa nos indicar um caminho contrário. Tomara mesmo!

*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e do Superior.
Cf. Jornal Diário de Manhuaçu,  30 de outubro de 2010.

Opinião II:

AS ELEIÇÕES 2010 MOSTRAM OS NOVOS POLÍTICOS E OS NOVOS ELEITORES


José Aristides da Silva Gamito

            Quase na reta final para a realização do segundo turno, e Dilma Roussef (PT) e José Serra (PSDB) não baixam o tom. A disputa prossegue descortês e agressiva. Os assuntos como aborto e afirmações contraditórias continuaram a fazer da campanha eleitoral. Os programas veiculados no rádio foram mais diretos ainda que os da TV. Apareceu até a velha dicotomia de definir quem é “do bem” e quem é “do mal”. Em passeata, candidato chegou a chamar militantes do partido adversário de “fascistas”.
            Talvez as eleições deste ano nos tenham mostrado o perfil dos novos políticos e dos novos eleitores. Em se tratando de segurança do sigilo do voto, rigor da legislação eleitoral, o país deu um grande passo. Mas parece que a mentalidade dos políticos não evoluiu na mesma proporção. Uma tendência desta vez foi propor motivações religiosas e éticas para a escolha dos candidatos à presidência. Atualmente, no Brasil, tem crescido, por parte de alguns grupos religiosos, um desejo de construção de uma teocracia. Muitos ministros religiosos se candidatam para defender as ideias de suas Igrejas. Em troca, os membros/eleitores apoiam e fazem correntes em favor deles. O pior é que os adversários são tidos como inimigos de Deus. Um candidato a deputado federal, bispo evangélico, chegou a aconselhar para não votar nos adversários porque faziam parte de uma conspiração do mal para atacar “a Igreja de Jesus Cristo”.
            Outro aspecto importante é o aparecimento de candidatos que são celebridades do mundo artístico ou desportivo. São humoristas, atletas, ex-BBBs. Entre eles, apareceram o Tiririca, o Romário, o Bebeto, assim como antes Frank Aguiar e Clodovil vieram para o meio político. Para o eleitor, seria uma boa alternativa ou seria sinal de que a política está caminhando para a pior? Essas pessoas com novas experiências podem mudar a política, mas podem entrar simplesmente porque é mais uma profissão de destaque. E se todo mundo entra, eu também posso, porque “pior que tá num fica”, podem pensar alguns. Os novos eleitores, decepcionados com a política brasileira, preferiram dar um voto de protesto. Mas parece que outros caíram naquele comodismo de votar em fichas-sujas porque “isso não muda mesmo”.
            É importante deixar aqui bem claro que não é uma discriminação de classes, democraticamente, todo cidadão pode se candidatar. O que se pergunta são as motivações que levam a essa procura da vida política num país de corrupção e impunidade. Dentre esses aspectos analisados das Eleições 2010, nem é necessário comentar a lista dos fichas-sujas que foram eleitos.

*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e do Superior.
Cf. Jornal Diário de Manhuaçu, 23 de outubro de 2010.

Opinião I:

SEGUNDO TURNO: MOTIVAÇÕES RELIGIOSAS EM CAMPANHA ELEITORAL DENTRO DE UM ESTADO LAICO


José Aristides da Silva Gamito*

            O segundo turno das Eleições 2010 à presidência do país ganhou um tom de polêmica. As campanhas eleitorais dos dois candidatos, Dilma Roussef (PT) e José Serra (PSDB), desviaram o foco dos planos de governo e reduziram o debate a questões religiosas. Essa postura representa um retrocesso na vida política brasileira. Os políticos se esqueceram de que o Brasil é um país laico e democrático. Os discursos dos candidatos parecem sair de uma época em que havia perseguição religiosa e impossibilidade de debater democraticamente questões éticas.
            Quem acompanhou o horário eleitoral pôde observar o uso constante das expressões “respeito à vida”, “a favor da vida”, “dom da vida” e “família brasileira”. O apelo passou a ser dirigido à família. A linguagem ficou apelativa. Percebia-se claramente que a intenção era atacar supostas posturas ideológicas do adversário. Os demais direitos, deveres e melhorias que deveriam ser contemplados pelos planos de governo passaram para segundo plano.
            Os dois candidatos abriram seus programas para a TV nesta campanha usando a palavra “Deus”. No fundo, o que transparece é a polêmica do aborto. Este é um assunto sério e que exige maturidade, mas foi posto na hora errada. A questão está sendo banalizada ao se tornar matéria de chantagem “eleitoreira” para o segundo turno. Com isso, certamente os dois candidatos perderão votos significativos.
            Desde a campanha para o primeiro turno, já havia boatos a respeito das posições morais dos candidatos. Havia na internet, católicos e evangélicos, fazendo campanhas, ora para um, ora para outro, baseadas em princípios morais e religiosos. Aliás, no Brasil política e religião voltaram a andar juntas. Existem deputados que declaram que estão na política para defender a bandeira dos evangélicos ou a bandeira dos católicos.
            Quando se trata de uma campanha eleitoral dentro de um país laico e democrático, era de se esperar também planos de governos apresentados de maneira limpa, sem agressividade, sem apelar à fé ou à consciência das pessoas. O segundo turno deveria ser aproveitado para esclarecer melhor os programas de governo para que os eleitores tivessem oportunidade de avaliar bem e tomar decisões livres de pressões moralistas.

*Bacharel em Filosofia e especialista em Docência do Ensino Básico e do Superior.

Cf. Jornal Diário de Manhuaçu, 16 de outubro de 2010. Site: Diário de Manhuaçu.