quarta-feira, 5 de setembro de 2007

A visita gratuita de nosso Deus

Quando percebemos ele já estava no nosso meio. Quem podia imaginar que aquela criança de Belém era ele?! Seu primeiro choro infantil foi lição de amor tão singular. A humanização de Deus foi surpreendente, gratuita e não exigiu respostas. Belém não é um lugar necessário. O coração do homem é um presépio gratuito do divino. Mas, ele quis armar a sua tenda entre nós. Tornou-se um profeta não para nos ensinar um código de moral, mas para nos convidar a uma experiência acessível a todos: o amor.Porém, tenho de discorrer sobre a natureza desse amor. Ele não é um amor exigente e nem é recíproco. Ele é pura iniciativa, nítido desdobramento em favor do outro. Ele não diz faça o bem para ser salvo. Mas, nele já está implícita a salvação: o bem faz sentido porque vivemos uma relação de pessoas salvas. A História da Salvação plenificada na epifania do Senhor nos mostra uma relação de graça. Entre o homem e Deus há uma caso de aspiração e sedução infindável.O Natal nos faz repensar a nossa relação com Deus. Ele não tinha nenhuma dívida conosco, não havia um contrato exigindo a sua manifestação para que crêssemos. Nem impôs a fé como condição. No entanto, ele veio. Ele que nos criou livremente. Só poderá receber uma resposta gratuita. Ao longo da história nosso zelo excessivo foi instituindo obrigações para o amor. E passamos a dizer que devemos o amor uns aos outros. Isso não cabe na natureza intrínseca do mesmo.Como podemos sentir a relação de graça e de liberdade com o nosso Deus? A fé cristã não parte da adesão a um conjunto de verdades. Começa com um encontro pessoal com Jesus. Ás vezes, mediado pela comunidade ou não. A estrutura central desse ato de fé que nasce dessa apresentação interpessoal é o amor. Não é uma experiência moral em primeira instância. É uma relação estética pautada por um amor espontâneo. A conversão de muitos santos se deram da maneira mais impensável. É um enamoramento sem formas prévias, sem exigências de reciprocidade. Compreende-se a medida do amor é com o próprio amar.O Evangelho provoca uma virada de expectativa diante da lei. Enquanto, se espera do devoto um cumprimento perfeito dos mandamentos. A gratuidade evangélica vai além, justamente naquilo que não se exige. Não precisamos mostrar nossas ações para atrair recompensas, o intuito do bem não é receber outro em troca. Essa pespectiva contradiz os ditos “amor com amor se paga”, “o bem se paga com bem”. A essência evangélica nos convida a dar mais um passo, convida-nos a uma virada de expectativa. O amor não nos faz devedores. Se concordamos com atitude farisaica (da recompensa), no lugar em que não se fizer mais o bem, não teremos motivação para realizá-lo.O efeito da graça na vida humana só pode ser uma postura de gratuidade. Caso contrário estaremos numa relação ambígua. A encarnação só pode ser entendida num contexto de graça e a relação com ela fará sentido se for por nada. E as nossas relações interpessoais? Qual será o parâmetro? O limite é o amor. Ele é desmedido. “Ama e faze o que quiseres”, dizia Agostinho. Não tenhamos medo o amor dá o contorno próprio ás coisas autenticamente humanas.Se não há uma relação de necessidade e de obediência. Então, tudo é permitido, dirão alguns. Quando desviamos e projetamos a razão do amor na premiação que Deus nos conferirá, desfiguramos o amor divino. Se tiramos a premissa esquecemos que somos seres amorosos. A graça age a na comunhão entre o homem e Deus. A salvação é a maneira objetiva como a graça nos toca – não depende de nosso mérito. Agora a santidade é a relação subjetiva que se estabelece com a graça. É acolhida livre e pessoal da salvação – é uma construção pessoal. Essas relações quando são confundidas, não conseguimos compreender a visita gratuita que nosso Deus nos faz a cada Natal. Amar é próprio de quem cultiva a hospitalidade. Fica o convite para acolhermos o nosso visitante neste Natal, em outras palavras: sejamos gratuitos – amemos as pessoas pelo que elas são e não pelo que elas podem nos dar. Assim como o nosso Deus fez conosco na Encarnação.

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